Título: A agnóstica Bachelet vai a culto Préval pede substituição dos tanques por ajuda
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2006, Internacional, p. A12

Presidente do Chile participa de cerimônia ecumênica e visita túmulo do pai em seu primeiro dia de governo

Declaradamente agnóstica, a nova presidente do Chile, Michelle Bachelet, dobrou-se ao protocolo. Foi a principal "abençoada" de um ato religioso ecumênico em seu primeiro dia de governo.

Depois de seguir em carro aberto pelas ruas centrais da capital chilena, assistiu na Catedral Metropolitana de Santiago a um culto em favor de um "governo sábio" e dos menos favorecidos do país. Nele, ela ouviu também um discreto apelo do cardeal Francisco Javier Errázuriz contra a legalização do aborto no país.

"Poderíamos impedir o direito de nascer?", indagou o cardeal ao expressar o desejo de que os novos governantes e parlamentares "sempre respeitem a vida" e ao divulgar dados sobre o decréscimo da natalidade em vários países do mundo.

Do culto, fizeram parte membros das igrejas Católica, Ortodoxa, cristãs protestantes e das religiões judaica e muçulmana. Na catedral, lotada e abafada, orquestra e coral entoaram hinos e canções com acordes andinos.

A presidente chilena acompanhou com um sorriso largo todas as cerimônias religiosas.

Durante a campanha, Bachelet foi bastante cuidadosa ao abordar a questão do aborto, dada a religiosidade elevada do eleitorado de um país cuja maioria da população é católica praticante. Médica e ex-ministra da Saúde antes de assumir a pasta da Defesa no governo do presidente Ricardo Lagos (2000-2006), ela não escondia ser favorável à interrupção da gravidez nos casos de risco de morte para a mãe, como autorizava uma antiga legislação que vigorou desde os anos 40 até, curiosamente, o fim do regime militar, em 1990.

Entretanto, destacara que só tomaria decisões com base em "evidências científicas" sobre as causas da mortalidade materna, sem levar em conta as "crenças pessoais" dos políticos.

No fim de fevereiro, já eleita, Bachelet já havia definido sua posição contrária a todo tipo de aborto e comprometeu-se com o cardeal Errázuriz, arcebispo de Santiago, a não autorizar o casamento entre homossexuais. Sua posição foi comunicada pela Igreja chilena ao papa Bento XVI.

Às 9 horas de ontem (10 horas em Brasília), Bachelet cumpriu um compromisso familiar que se repete todo dia 12 de março no mesmo horário. Acompanhada de sua mãe, a antropóloga Ángela Jeria, visitou um mausoléu no Cemitério-Geral de Santiago onde está enterrado seu pai, o brigadeiro Alberto Bachelet Martínez, morto em 1974, em uma prisão, depois de passar por sessões de tortura.

Anteontem, ao comentar a homenagem que "não poderia deixar de fazer" ao pai, Bachelet demonstrou ter distinguido o período da ditadura militar (1973-1990), liderado pelo general Augusto Pinochet, do perfil das Forças Armadas na fase democrática e mesmo de suas iniciativas internas de oposição ao regime de exceção.

"As Forças Armadas são parte importante da nossa história e hoje são patrimônio de todos os chilenos", destacou a ex-ministra da Defesa e agora presidente da república.

Préval pede substituição dos tanques por ajuda

O presidente eleito do Haiti, René Préval, declarou ontem que "seria irresponsável" a saída das tropas das Nações Unidas de seu país. Mas, nos encontros que teve com a presidente chilena, Michelle Bachelet, e com a ministra de Defesa, Viviane Blanlot, pediu a substituição de armas por equipamentos para a reconstrução do país, alegando que a situação está razoavelmente controlada depois da eleição de 7 de fevereiro. "Devemos substituir os tanques por equipamentos para dar bem-estar à população", afirmou. "Felizmente, a senhora Bachelet conhece muito bem a situação haitiana."

O chileno Juan Gabriel Valdés é atualmente o representante da ONU no Haiti, assim como o general brasileiro José Elito Carvalho Siqueira comanda a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah). Chile e Brasil mantêm forças no Haiti ao lado de Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Peru, Canadá e EUA e outros dez países.