Título: Os supersalários da Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Depois de agir com a coragem necessária para acabar com o nepotismo no âmbito do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou a enfrentar outro problema ainda mais explosivo que afeta esse Poder. Trata-se da farra dos salários nos escalões superiores das corporações judiciais. Embora a Lei 11.144/05 tenha estabelecido um teto de R$ 24, 5 mil, valor correspondente aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ele sempre foi desrespeitado através de uma série de vantagens financeiras concedidas pelos tribunais.

Entre gratificações, qüinqüênios, ajuda de custo, ajuda-moradia, auxílio-paletó, vale-refeição e vale-transporte, ao todo há cerca de 40 "penduricalhos" no holerite de muitos magistrados. Mas, apesar de incorporadas aos vencimentos, a maioria dessas vantagens funcionais é excluída do cálculo do teto salarial. Graças a esse expediente, dos 14 mil juízes de todo o País, entre 2 mil e 3 mil estariam recebendo muito acima dos R$ 24,5 mil permitidos pela Lei 11.144. Em vários Estados, a média salarial dos desembargadores é superior a R$ 35 mil.

É esse, segundo o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão, Ronaldo Maciel, o caso do Tribunal de Justiça de seu Estado. A título de gratificação por função de direção, o presidente da corte incorpora 40% do valor do salário e o vice-presidente e o corregedor, 30%. Deste modo, se um magistrado ocupou no passado um desses cargos e hoje ocupa outro, seu contracheque é enriquecido com mais 60% ou 70%.

É por isso que merece aplauso a iniciativa do CNJ de editar ainda este mês uma resolução definindo quais as vantagens funcionais que podem ser incluídas e quais as que devem ser excluídas para efeitos de cálculo do teto salarial da magistratura. Como era de se esperar, assim que o órgão incluiu essa medida na pauta de sua próxima reunião, vários desembargadores passaram a invocar os "direitos adquiridos" e outros lembraram que a Constituição proíbe a redução de vencimentos, para que os juízes não fiquem "à mercê dos poderosos".

No entanto, esses argumentos começaram a cair por terra depois que o STF julgou nesta quinta-feira um mandado de segurança impetrado por quatro ex-ministros da própria corte, no qual reivindicavam que os qüinqüênios fossem excluídos da contagem do teto salarial. Numa decisão inédita, e que só não foi encerrada porque ainda falta votar o ministro Enrique Lewandowski, cuja posse está marcada para esta semana, a corte rejeitou o recurso e reafirmou que adicionais por tempo de serviço não podem ser excluídos do teto de R$ 24,5 mil.

Com essa decisão do STF e a nova iniciativa moralizadora do CNJ, abre-se um debate sobre a estrutura salarial não só do Judiciário, mas de todo o setor público. Embora uma Emenda Constitucional obrigue os três Poderes a publicar anualmente os valores do subsídio e da remuneração de seus cargos, vários tribunais não cumprem essa determinação, sob a alegação de que ela viola a autonomia da instituição. Com isso, os responsáveis pelo caixa nos Estados e na União, que têm metas fiscais a cumprir por determinação legal, não dispõem de informações básicas sobre a estrutura dos salários da Justiça.

Sabem apenas que, sem qualquer explicação plausível, a média salarial nesse Poder é três vezes superior à média dos vencimentos do Executivo. No Judiciário, o auxílio-refeição pago aos serventuários é de R$ 600 mensais, contra R$ 161,99, no Executivo. As diferenças também se dão no pagamento de outras vantagens funcionais, como auxílio-transporte. Segundo o Ministério da Previdência, o valor médio das aposentadorias da Justiça era de R$ 8,02 mil, há dois anos, contra R$ 2,27 mil no Executivo.

Com a decisão de acabar com os supersalários nos tribunais, definindo um teto único para todos os tribunais, o CNJ fechará as brechas que permitem a cada corte interpretar conforme suas conveniências as determinações da Lei 11.144. Essa medida será decisiva para coibir os abusos que desmoralizam os tribunais. Mas, para reduzir as disparidades de vencimentos nos três Poderes e criar uma política de pessoal uniforme para todo o funcionalismo público, ainda há muito o que se fazer. A nova ofensiva moralizante do CNJ é só um primeiro passo nesse rumo.