Título: Exército faz tráfico perder até 70%
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Metrópole, p. C1

Polícia teme enfrentamento maior do tráfico com soldados no fim de semana, o período mais lucrativo

Uma semana após o início da Operação Cerco Total do Exército no Rio, a pistola e os dez fuzis roubados de um quartel em São Cristóvão continuam desaparecidos, mas o tráfico já começa a sentir os efeitos da presença dos militares nas favelas. Segundo a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), a venda de drogas caiu significativamente, e há favelas onde a redução chegou a 70%. O cerco provocou ainda reflexos na intensa comunicação por rádio e telefone mantida pelos criminosos. "Os grampos estão calados", revelou ontem a inspetora da DRE Marina Maggessi. Ontem o Exército mantinha 1.200 homens em dez favelas e em duas estradas, a Via Dutra e a Washington Luís.

Em palestra na Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), a inspetora disse que o Exército, já confrontado pelos traficantes em trocas de tiros no Morro da Providência e em Manguinhos, deverá enfrentar resistência ainda maior com a proximidade do fim de semana. É nesses dias que usuários eventuais, maior fonte de lucro dos bandidos, procuram as bocas-de-fumo.

"Eles vão ter problemas a partir de amanhã (hoje)", disse Marina, citando como exemplo o Morro da Mangueira. "Os traficantes da Mangueira são hoje os grandes milionários, porque a zona sul é Mangueira. Eles (jovens de classe média) adoram freqüentar a quadra, as bocas de lá", disse. "Viciado não sustenta boca. Eles são minoria."

Marina disse, porém, achar difícil o Exército recuperar as armas. "Não acredito que elas estejam em um lugar só. Já devem ter sido distribuídas. E enterradas. Pois ninguém é doido de andar com elas por aí."

Na própria Polícia Civil, há quem aposte numa solução mais rápida para o caso, pelos prejuízos que o tráfico tem sofrido. Uma fonte da área de inteligência levantou a hipótese de que, até o domingo, "surjam boas notícias". "As informações que estamos levantando são esparsas. Eles não estão se falando muito por meio de aparelhos de comunicação. Mas talvez as armas sejam devolvidas logo", disse um investigador, que pediu anonimato.

Organizador da palestra, o presidente do Fórum Permanente de Execução Penal, Álvaro Mayrink da Costa, disse que a ocupação do Exército é uma forma de controle social. Mas afirmou que a estratégia, muitas vezes, sofre intervenção de políticos. "Cada morro vale muitos votos. Vale um deputado federal, três estaduais, um governador. Ou será que todos nós fingimos que não sabemos disso? Os políticos que atuam nestas comunidades tudo fazem para evitar que haja choque, pois isso impediria que eles subissem e os eleitores descessem para votar." Ele disse ter sofrido pressão de políticos em 2002, quando presidia o Tribunal Regional Eleitoral, para dispensar o reforço de tropas federais nas eleições.