Título: Política deve definir padrão digital
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Economia & Negócios, p. B11

Em ano eleitoral, ministros estão inclinados a escolher o sistema de TV que agrade às emissoras - o japonês

Apesar de toda discussão de contrapartidas comerciais e industriais, de toda a discussão sobre as vantagens e desvantagens técnicas de cada um dos padrões internacionais de TV digital, os ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva estão inclinados a agir de maneira pragmática e, num ano eleitoral, tomar uma decisão política.

"Quem gosta do padrão europeu é a esquerda do PT", afirmou uma fonte que acompanha as negociações. Antes de a discussão chegar no primeiro escalão dos ministérios, os técnicos viram o DVB, tecnologia européia, como uma maneira de aumentar a competição no mercado de radiodifusão. Quando a conversa chegou aos ministros, eles sentiram o peso dos argumentos de grandes emissoras, como a Rede Globo, que apóiam o padrão japonês ISDB.

Hoje termina o prazo para os ministros entregarem para o presidente Lula suas recomendações para a decisão. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, afirma em conversas privadas que a decisão deve ser anunciada na segunda-feira. Pessoas que participam do processo acreditam que deste mês não passa. Diferentemente dos demais ministros, Costa sempre foi alinhado aos radiodifusores, defendendo o padrão japonês. Hélio Costa é acionista de uma rádio em Barbacena (MG), sua cidade natal, e antes de ingressar na política, foi repórter do programa Fantástico e chefe da sucursal da Rede Globo nos Estados Unidos.

Os europeus ficaram preocupados com a possibilidade de perderem a briga e resolveram aumentar as apostas (ver matéria abaixo). Os japoneses dizem que sua proposta está fechada. E os americanos, com seu padrão ATSC, que acabaram como os terceiros da fila, não resolveram, pelo menos agora, melhorar sua proposta.

E como fica para o consumidor? Independentemente do padrão, o espectador não precisará trocar o aparelho imediatamente. Por dez anos ou mais, haverá um período de transição, em que cada emissora transmitirá simultaneamente dois sinais: um analógico e um digital. Se quiser desfrutar da melhora do sinal e de alguns serviços interativos, poderá comprar um conversor, caixinha eletrônica como a que é usada na TV por assinatura. Para ter alta definição, porém, precisará de um televisor novo, com 1.080 linhas de definição.

Para parlamentares, só uma fábrica de semicondutores não basta. É preciso que seja definido todo um modelo de negócios em comunicações no Brasil, no qual a TV digital será uma ferramenta. A tese foi defendida ontem pelos deputados Júlio Semeghini (PSDB-SP) e Walter Pinheiro (PT-BA), integrantes da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.

"A discussão está presa ao padrão, se ele vai ser europeu, japonês ou americano, mas outros fatores deveriam ser levados em consideração", disse Pinheiro. Ele listou como exemplos o impacto da escolha da tecnologia de TV digital sobre a balança comercial, a política de comunicação e a difusão cultural. "E sobretudo é preciso mexer com a democratização da informação, conceder mais canais."

Para Semeghini, a falta de um modelo de negócio, ou seja, de estabelecer que objetivos se quer alcançar a partir da escolha do padrão de TV digital dificulta a decisão. Ele observou que, até o momento, o governo ouviu pesquisadores e fabricantes de componentes. "Não é suficiente. Pessoas ligadas à mídia e à geração de conteúdo não foram ouvidas."