Título: A divergência no Copom
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

A divisão interna do Banco Central em relação à dose correta dos juros, revelada logo após o término da reunião do Copom, pede algumas considerações. E, de carona, convém examinar a proposta do PT de mudar os objetivos da política de juros.

Esta coluna já criticou a obsessão pela unanimidade em reuniões para definição dos juros. Durante o período Lula, o Copom reuniu-se 38 vezes. Em apenas 7, houve voto divergente. Nesta quarta-feira, foi a primeira vez que o Copom divulgou, no comunicado distribuído logo após o encerramento da reunião, qual foi a natureza da divergência: 3 entre os 9 membros do Copom propuseram um corte maior, de 1 ponto porcentual, em vez do 0,75 ponto aprovado. Como, em geral, presidente de banco central vota com a maioria, supõe-se que Henrique Meirelles tenha optado pelo corte mais baixo.

A fixação no sistema do voto em bloco mostra mais fragilidade do que coesão. Os membros do Copom (os nove diretores do Banco Central) estariam se sentindo de tal maneira incomodados com as pressões pela derrubada dos juros que fariam de tudo para garantir votação unânime e aparentar monolitismo sobre matéria que carrega forte componente de subjetividade.

Com a ampla área de escape, tanto para cima como para baixo do centro da meta, o corte ou o aumento correto dos juros são como certos lances no futebol que dependem mais da "interpretação" do árbitro do que de precisão no enunciado das regras. Daí porque seja normal, e até saudável, a divergência de opinião num colegiado de nove membros. Ruim e motivo para desinformação é a falta de clareza sobre a divergência.

Uma vez ultrapassada, como parece, a cultura do centralismo democrático, segundo a qual a diretoria do clube tem de mostrar coesão em torno do chefe (e da causa), espera-se agora que o Banco Central divulgue as razões técnicas que levaram a minoria a defender um corte maior nos juros.

Se a transparência é o primeiro requisito para a correta formação de expectativas e, portanto, para a eficácia da política monetária, está justificado que a sociedade seja informada, ao menos por meio da ata do Copom, sobre os motivos técnicos dos votos vencidos.

O outro assunto é o documento, ainda preliminar, de dirigentes do PT que exige o enquadramento da autoridade monetária: "O Banco Central incluirá entre seus objetivos, além da (defesa da) moeda, o crescimento (econômico) e o emprego" - diz o texto em discussão.

Essa idéia exige mudança radical no programa de metas de inflação. Pretende que o Banco Central fixe os juros com um olho na inflação e outro no aumento da atividade econômica. É ponto pacífico em teoria econômica que não há, a longo prazo, contradição entre combate à inflação e crescimento porque não é possível crescimento sustentável sem controle de inflação. Mas essa convergência não acontecerá enquanto a inflação não for debelada. Uma política de derrubada da inflação exige certo sacrifício da atividade econômica. Nesse caso, a dualidade de objetivos do Banco Central implica perda de eficácia. É como enxugar louça sob a torneira aberta. De mais a mais, juros na lua são apenas o sintoma do problema principal, que é a enorme gastança do setor público. E, sobre isso, os políticos do PT silenciam.

Nessas condições, está errado afirmar que o Banco Central necessita de intervenção. O Banco Central não faz outra coisa senão cumprir o que manda a lei. Se é para aumentar o número de prioridades da política monetária (e do Banco Central), então é preciso mudar a lei e não tascar uma intervenção. Não é verdade que o banco central americano (o Fed) funciona assim. A lei fala nesse duplo objetivo mas, na prática, o juro sobe se a inflação aumenta e pode cair se estiver sob controle. A meta de crescimento econômico é figurante virtual neste filme.

E não é preciso dizer que, se o candidato Lula revelar um mínimo de vacilação nessa matéria, a confiança duramente construída nos últimos três anos ruirá repentinamente.