Título: Pressa para crescer
Autor: Rogério L. Furquim Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

A longa entrevista de Lula à revista The Economist (disponível sem restrição de acesso em www.economist.com/lula) tem dado o que falar. Entre elogios e críticas, a mídia deu destaque à má repercussão da frase em que o presidente teria afirmado que o País não tem pressa para crescer. Seria surpreendente se um político calejado e esperto como Lula tivesse dito tal coisa. E, de fato, uma leitura atenta da entrevista mostra que o que foi transcrito não foi bem isso. Uma tradução fiel do trecho relevante seria a seguinte: "No Brasil não estamos com pressa para fazer a economia dar um salto de crescimento imediato. Queríamos primeiro consolidar uma base macroeconômica que permitisse ao Brasil um ciclo de crescimento de 10 ou 15 anos de duração. O que os economistas chamam de crescimento sustentado."

É difícil depreender dessa afirmação que Lula, de fato, ache que o País não tem pressa para crescer. De qualquer forma, a celeuma chama a atenção para um tema fadado a ter grande importância na campanha eleitoral dos próximos meses.

É mais do que natural que, ao fim de um quarto de século de expansão econômica medíocre e de um longo e custoso esforço de estabilização, a retomada do crescimento econômico em base sustentada se tenha transformado na grande questão nacional a ser tratada na eleição presidencial. A impaciência, que já seria grande, vai-se tornando ainda maior, à medida que o fraco dinamismo da economia brasileira vai sendo contrastado com a prolongada prosperidade da economia mundial, a reboque da expansão acelerada da China e da Índia. A dúvida é se, na campanha eleitoral, a questão do crescimento poderá ser debatida com o realismo que ela exige, ou se a discussão acabará resvalando em propostas inconseqüentes e em demagogia.

Nestes tempos de glorificação dos feitos juscelinistas, parece ter voltado a ganhar força a visão de que crescimento econômico é, mais do que tudo, uma questão de determinação e vontade. Dissemina-se de novo a idéia de que estadista é quem sabe transgredir todos os limites do possível para alcançar os objetivos a que se propõe. Sem se importar, claro, com a conta que deixa para o futuro. Os sinais de fascínio dos tucanos com a retórica juscelinista são preocupantes. O desafio relevante não é crescer 50 anos em 5, mas crescer 5 em 5, a cada 5. É nisso que consiste o processo de crescimento sustentado. E nele os limites do possível são fundamentais. Mesmo que possam ser relaxados, ao longo do tempo, por meio de políticas adequadas.

Mas há também razões para preocupação com a maneira como as hostes petistas vêm tratando a questão do crescimento. Nessa matéria, ao que parece, a cúpula do partido - a exemplo dos Bourbons - nada aprendeu e nada esqueceu. Nem mesmo percebeu que o que Lula tem a exibir neste final de mandato, além do Bolsa-Família, é tão-somente o resultado da sua política macroeconômica, que foi mantida a duras penas, sob incessante e cerrado fogo amigo do partido.

Muitos dos próceres petistas continuam mobilizados com a idéia de chutar o pau da barraca da política macroeconômica. Querem porque querem que o governo prometa para o segundo mandato, caso seja reeleito, um programa que renegue o que foi feito no primeiro. Estão cada vez mais convencidos de que a chave do crescimento é mais gasto público e menos superávit primário. Por enquanto, as investidas para assegurar essa guinada na política econômica ainda em 2006 vêm sendo contidas pelo ministro da Fazenda. Mas se trata de uma linha de defesa que não conta com reservas. Não há quem possa substituir Antonio Palocci nesse embate.

É pouco provável que, no calor da controvérsia sobre o que de fato está ocorrendo com o nível de atividade neste início de ano, a esquerda da coalizão governista venha a reduzir suas pressões sobre o governo. Muito pelo contrário. Já a oposição pode ficar ainda mais tentada a levar o debate na base das frases de efeito, sem um discurso mais estruturado e conseqüente sobre a questão do crescimento. A esta altura, não será surpreendente se o País marchar para as eleições sem que esse tema seja tratado com um mínimo de seriedade na campanha.

O certo, contudo, é que vai ser preciso bem mais do que pressa para que o desafio do crescimento possa ser enfrentado com sucesso.