Título: Acordo com Brasil é decisivo para Doha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Economia & Negócios, p. B4

O primeiro aspecto que salta à vista de um europeu de visita ao Brasil é a sensação de mudança econômica. Os milhares de quilômetros quadrados de pastagens de Mato Grosso, a proliferação de campos de soja em Goiás e a força industrial de São Paulo são mais do que suficientes para provar que o Brasil é um país "em desenvolvimento" no sentido literal da expressão.

Só nos últimos dez anos, o Brasil duplicou as exportações agrícolas para a União Européia (UE) e chegou ao topo da lista das potências agrícolas mundiais. Transformou-se no maior criador de bovinos do mundo e num crescente motor econômico do Hemisfério Ocidental. O Brasil é um líder empenhado e ativo do G20 das economias emergentes e um ator de primeira grandeza nas negociações da Rodada Doha no âmbito da OMC. Estamos perante um sólido exemplo para o mundo em desenvolvimento: o Brasil revelou rapidez em competir e ganhar os benefícios da abertura do comércio no setor agrícola e sua política gradual e progressiva de liberalização deu origem a uma economia industrial cada vez mais competitiva.

Isso não impede que o Brasil continue a enfrentar enormes desafios no que respeita à redução da pobreza. Porém, o empenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em aliar as reformas econômicas a compromissos sólidos em termos de justiça social e combate à pobreza denota o conhecimento do desafio que o País enfrenta e da abordagem possível do problema.

Os laços comerciais entre Europa e Brasil remontam há longa data e temos hoje relações comerciais bilaterais sólidas e crescentes. Ambas as partes estão fortemente empenhadas na conclusão profícua das negociações sobre comércio livre entre UE e Mercosul. No âmbito da OMC, trabalhamos estreitamente nas negociações da Rodada Doha, envidando esforços para encontrar uma plataforma de entendimento.

Tal como as exportações do Mercosul num plano mais vasto, as exportações do Brasil têm vindo a revelar um dinamismo inédito. O Brasil deve agora olhar em frente e desenvolver esforços para assegurar condições propícias a um crescimento econômico de longo prazo. A UE tem um papel fundamental a desempenhar neste capítulo. Somos não só um mercado-chave para os produtos brasileiros como a principal fonte de investimento estrangeiro - e a concorrência aberta com as nossas empresas só tornaria as empresas brasileiras mais fortes.

Graças às negociações de Doha e por meio de um acordo com êxito entre a UE e o Mercosul, o Brasil seria beneficiado duas vezes. No quadro das negociações de Doha, a UE propôs-se a pôr termo a todos os subsídios às exportações agrícolas até 2013 e acabar com os subsídios à agricultura que causam distorções no comércio - o que constitui uma verdadeira revolução na política agrícola da UE. O Brasil pretende ver uma reforma agrícola equivalente nos Estados Unidos, que ainda não apresentaram garantias suficientes de que porão fim aos apoios aos seus agricultores, concorrentes dos brasileiros.

A UE também ofereceu um novo e vasto acesso aos seus mercados no que respeita a produtos agrícolas. No setor da carne bovina, concedemos um novo acesso ao mercado, aumentando para mais 800 mil toneladas anuais essas exportações - o equivalente à totalidade das exportações da Argentina neste setor. Enquanto exportador mundial mais competitivo de carne de bovino, o País ganhará mais do que seus concorrentes. Propusemos ainda reduzir um quarto das nossas exportações de frangos, o que proporciona ao Brasil novas oportunidades para suas exportações altamente competitivas neste setor.

Em contrapartida, pedimos maior abertura ao investimento estrangeiro e às exportações industriais por parte dos mercados dos países desenvolvidos e das economias emergentes, como Brasil e Argentina. A UE não pede ao Brasil que faça concessões equivalentes às nossas. Mas, como referido pelo presidente Lula há duas semanas em Londres, cada membro da OMC deve dar sua contribuição para que as negociações de Doha sejam coroadas de êxito. Os líderes brasileiros têm consciência de que o seu próprio sucesso implica responsabilidades. Por conseguinte, espero que, nas próximas semanas, o Brasil tome uma atitude que permita chegar a um acordo ambicioso no contexto de Doha.

Considero que UE e Brasil estão cada vez mais próximos de um possível acordo. Estou certo de que ambas as partes terão muito a perder se não alcançarmos um acordo ambicioso. Do ponto de vista político, é difícil para todos nós dar o passo final na via de um acordo - chegou, porém, à altura de o fazermos.

* Peter Mandelson é comissário de Comércio da União Européia*