Título: Brasil quer que ONU monitore direitos
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Internacional, p. A16

Governo brasileiro pretende acabar com o monopólio dos EUA na observação de violações no mundo

O Brasil quer acabar com o monopólio dos Estados Unidos na avaliação da situação dos direitos humanos no mundo. O governo brasileiro quer que esse trabalho seja realizado pelas Nações Unidas, com a elaboração de um relatório anual sobre a situação em todos os países.

Na quarta-feira, o governo americano divulgou seu levantamento anual sobre as violações aos direitos humanos. Todos os governos receberam críticas, exceto o do presidente americano, George W. Bush.

A idéia brasileira é de que o relatório global seja produzido pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, um órgão dedicado exclusivamente ao tema. A alta comissária, a canadense Louise Arbour, é favorável à idéia do relatório - que apontaria as violações por temas, não por países. Muitos países, no entanto, não apreciam a iniciativa, entre eles a China. "Pequim mostra resistências ao projeto", admite um diplomata brasileiro.

Por enquanto, o governo americano não se pronunciou sobre o assunto. Mas levantou a questão de quanto custaria à ONU a produção de mais esse estudo. A promoção dos direitos humanos hoje conta com apenas 3,6% do orçamento da instituição. A questão dos recursos é uma das preocupações da Anistia Internacional (AI) que, mesmo assim, acha a sugestão positiva.

Segundo a AI, o problema estaria também na dimensão política e nas pressões que ocorreriam na elaboração do relatório. "É um projeto interessante, mas quem julgará os países no documento? Temos de ter isso muito claro antes de aprovar qualquer medida desse porte", afirmou Peter Splinter, representante da AI, que produz seu próprio relatório anual.

Para a ONG Conectas Direitos Humanos, a proposta brasileira é repleta de boas intenções, mas poderá ser inviável. Segundo Lucia Nader, Coordenadora de Mobilização e Relações Internacionais da entidade, uma das questões a ser tratada é o grau de independência que teriam os autores do relatório global. "A ex-alta comissária de Direitos Humanos Mary Robinson não foi reconduzida ao cargo por ter ido contra os interesses americanos", lembrou a especialista.

Todos concordam, porém, que a avaliação dos direitos humanos não pode ficar nas mãos de um país apenas. Em relatório publicado esta semana, os EUA apontam sete países "campeões" em violação: China, Cuba, Venezuela, Irã, Coréia do Norte, Mianmá, Zimbábue e o governo da Bielo-Rússia. A China não deixou barato e ontem criticou duramente o governo americano por seus julgamentos, alegando que Washington viola o direito de suas próprias minorias, como a população negra. Sobre o Brasil, aponta a impunidade como um dos maiores problemas do País. Já as referências à situação nos Estados Unidos são apenas comentários sobre os esforços que o governo de Bush estaria fazendo para promover os direitos humanos.