Título: Mercosul completa 15 anos, sem clima para comemorações
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Economia & Negócios, p. B11

Domingo, o Mercosul - criado pelo Tratado de Assunção em 1991 - completou 15 anos. Semanas atrás, estava previsto que o dia para as celebrações da data seria ontem. Mas, na semana passada, diante do tenso clima existente há meses entre a Argentina e o Uruguai por causa da Guerra da Celulose, as cerimônias programadas para serem em Buenos Aires (cujo eixo central seria uma reunião de parlamentares do bloco) foram discretamente suspensas. O pivô da crise é a construção de duas fábricas de celulose no lado uruguaio da fronteira, às quais os argentinos se opõem.

O Mercosul teve um baile de debutantes frustrante, já que com exceção de alguns seminários nas principais cidades dos países do bloco, a data passou em brancas nuvens.

O presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, Carlos Chacho Álvarez, admitiu ontem a jornalistas brasileiros em Buenos Aires que embora tenha ocorrido atividades secundárias, não se fez um evento central para celebrar o aniversário. No entanto, Álvarez considerou que a crise uruguaio-argentina está praticamente resolvida.

A crise iniciou a meados do ano passado, quando o presidente Néstor Kirchner desferiu uma campanha contra a instalação das fábricas de celulose, recorrendo ao Banco Mundial e à Corte Internacional de Haia para impedi-las. O presidente apoiou ostensivamente os argentinos da fronteira, que realizaram durante 45 dias piquetes em duas das três pontes que ligam ambos países.

Kirchner e os manifestantes consideram que as fábricas poluirão o Rio Uruguai, prejudicando a agricultura, piscicultura e o turismo da região, além de prejudicar a saúde dos argentinos da fronteira.

O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, retrucou, explicando que as empresas (a finlandesa Botnia e espanhola Ence) não são poluentes. Respaldado por todos os partidos políticos, deixou claro que não impediria a construção das fábricas.

Por trás do interesse uruguaio na construção está o investimento de US$ 1,8 bilhão, o equivalente a 13% do PIB. Tabaré pediu o fim dos piquetes argentinos, já que estavam asfixiando a economia uruguaia.

O fim dos piquetes ficou condicionada à suspensão das obras por 90 dias, como forma de começar as negociações. Os manifestantes argentinos deram o primeiro sinal de paz, removendo o bloqueio. Ontem, a empresa Botnia confirmou que deterá a construção temporariamente. A Argentina ainda esperava no fim do dia um anúncio similar por parte da Ence.

Amanhã Kirchner se reunirá na cidade uruguaia de Colonia com Tabaré para começar a tentar encontrar uma solução para o conflito, que transformou-se na maior crise diplomática entre a Argentina e o Uruguai desde que em 1955 militares golpistas argentinos refugiaram-se em Montevidéu.

A Guerra da Celulose teve o efeito de causar nos uruguaios uma grande decepção com o Mercosul e o simultâneo aumento do interesse em fechar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.

No fim de semana, a coalizão de governo, a centro-esquerdista Frente Ampla, decidiu, em um congresso partidário dar uma guinada em suas posições de política exterior e autorizar Tabaré a negociar um eventual acordo com os EUA. "A opção bilateral é legítima, enquanto que não comprometa o país produtivo e a integração regional", alegou a Frente.