Título: Laboratório levaria 6 anos para refazer cruzamentos de espécies
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Nacional, p. A14

Para pesquisador, biotecnologia ajuda reforma agrária, já que aumenta produtividade e libera áreas

Pesquisadores que trabalhavam no laboratório da Aracruz em Barra do Ribeiro passaram o dia ontem tentando contabilizar os prejuízos causados pela invasão do movimento Via Campesina. Fora os microscópios e outros equipamentos de pesquisa - que podem ser comprados de novo -, os invasores destruíram milhares de mudas de variedades experimentais de eucalipto, que estavam sendo desenvolvidas para melhorar a produtividade da planta no campo. Muitas delas, segundo os cientistas, não poderão ser recuperadas.

Para o pesquisador Aurélio Mendes Aguiar, da Aracruz, o vandalismo foi um "tiro no pé" do movimento agrário, já que o principal objetivo das pesquisas era, justamente, aumentar a produtividade do eucalipto e reduzir a necessidade de expansão das áreas de cultura - que tanto assusta os sem-terra. "O mercado não vai parar de consumir papel", diz. "Portanto, ou você aumenta a produtividade ou aumenta a área plantada. Quanto mais produtiva for cada árvore de eucalipto, menor será o impacto sobre o meio ambiente."

Entre as mudas destruídas estavam variedades com produção elevada de celulose e melhor adaptabilidade às condições climáticas do Rio Grande do Sul. Nenhuma delas era transgênica. As transformações foram obtidas por melhoramento genético tradicional, no qual os cientistas selecionam e cruzam as árvores com características mais desejáveis. Por exemplo, combinando crescimento mais rápido, maior produção de celulose e resistência a doenças e geadas.

O processo envolve anos de trabalho de campo e de laboratório, onde é feita a caracterização genética das plantas. Cada indivíduo selecionado de um novo cruzamento é chamado "clone".

Segundo Aguiar, 16 clones de alta produtividade que estavam ainda dentro do laboratório, cultivados em placas de petri, foram destruídos no ataque. Na casa de vegetação, cerca de 2 mil mudas de pesquisa que iriam a campo para testes nos próximos 15 dias foram destruídas, assim como cerca de 50 (ou 20%) das chamadas matrizes (as plantas de melhor qualidade genética, que são selecionadas para os cruzamentos). Além de 1 milhão de mudas comerciais.

"Se fôssemos realizar todos os cruzamentos de novo, levaria no mínimo cinco ou seis anos. Alguns nunca mais serão possíveis, porque as matrizes não existem mais", diz Aguiar. "Ainda estamos tentando quantificar o prejuízo, mas acho que vamos sentir os efeitos disso pelos próximos cinco ou dez anos."

Outra perda irreparável ocorreu no banco de germoplasma da unidade: uma espécie de biblioteca biológica, onde eram preservadas as sementes de várias espécies de eucalipto para uso em melhoramento. Os invasores estouraram o cadeado da câmara refrigerada e rasgaram quase todos os envelopes nos quais eram guardadas as sementes, misturando todo o material. "Talvez consigamos recuperar 30% disso."

REPERCUSSÃO

A Aracruz é uma das 14 empresas que participam da Rede Brasileira de Pesquisa do Genoma do Eucalyptus (Genolyptus), criada em 2002 e coordenada pela Embrapa. "Estamos todos chocados com este ato de puro banditismo, completa ignorância e, pior, praticado com justificativas absolutamente absurdas", disse ao Estado o geneticista Dario Grattapaglia, pesquisador da Embrapa e coordenador do projeto.

"Acho que foi um crime violento, bárbaro, não só contra a empresa, mas contra a sociedade brasileira", disse o pesquisador Carlos Alberto Labate, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que também trabalha com melhoramento genético de eucalipto. A indústria de celulose, segundo ele,representa cerca de 5% do PIB brasileiro e dá emprego a 2 milhões de pessoas.