Título: Cai ponto polêmico de projeto americano de lei de imigração
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Internacional, p. A19

Horas depois de o presidente americano, George W. Bush, ter aconselhado o Congresso a conduzir "de maneira civilizada e digna" a reforma das leis de imigração dos Estados Unidos, a Comissão Judicial do Senado aprovou ontem uma emenda que abre o caminho para milhões de trabalhadores ilegais reivindicarem a cidadania americana sem que tenham primeiro de deixar o país. A comissão estabeleceu o texto do projeto que o plenário do Senado passará a debater a partir de hoje.

A emenda, apresentada pelo senador democrata Edward Kennedy, foi aprovada por 12 votos a 6, com o apoio de alguns republicanos. Ela permite a concessão de vistos de trabalho temporários de até seis anos para imigrantes ocuparem postos de pouca qualificação nos EUA. A comissão rejeitou a proposta de impor sanções penais aos imigrantes que estejam ilegais no país - ponto mais polêmico do projeto inicial.

De acordo com o projeto de Kennedy, os EUA poderiam conceder vistos temporários de três anos, com opção para uma renovação de mais três anos. A proposta vai além da apresentada por Bush, pela qual também se criaria um programa de trabalhadores temporários, mas que deveriam deixar o país ao término do prazo legal.

A decisão da comissão parlamentar foi apontada por analistas como uma vitória dos democratas e das centenas de milhares de manifestantes que participaram de gigantescas marchas no fim de semana em várias cidades americanas.

Antes da votação, Bush havia pedido ao Congresso que não envolvesse o debate da reforma numa atmosfera de medo. O presidente falou sobre o tema durante uma cerimônia de naturalização de 30 novos cidadãos americanos, vindos de 20 países diferentes, em Washington.

O projeto de lei pôs os conservadores republicanos e Bush em campos opostos e ameaça ampliar o cisma entre o presidente e sua base. Milhares de manifestantes favoráveis à adoção de leis que permitam a legalização gradual da situação dos estimados 12 milhões de imigrantes ilegais atualmente no país - a maioria do México e de outros países da América Latina, incluindo o Brasil - foram ao Capitólio ontem. Grupos favoráveis a um endurecimento das leis de imigração também se manifestaram nas proximidades da sede do legislativo.

A política de imigração estará no topo da agenda do encontro que Bush terá amanhã, em Cancún, com o presidente do México, Vicente Fox.

Ex-governador do Texas, Bush deve seu sucesso eleitoral em parte à abertura que demonstrou em relação aos eleitores de origem hispânica no seu Estado e nos Estados da fronteira. Sua iniciativa de propor um programa para trabalhadores imigrantes temporários, segundo a oposição democrata, refletia a posição das grandes empresas industriais, agrícolas e de serviços, que hoje dependem crucialmente da mão-de-obra imigrante.

A Câmara dos Representantes havia aprovado no ano passado a proposta modificada ontem pela comissão do Senado. Ela tornava crime imigrar ilegalmente para os EUA ou ajudar quem quisesse entrar no país sem o necessário visto. A pena proposta era a de prisão e deportação imediata dos infratores e pena de até 5 anos de cadeia para os americanos que ajudassem pessoas a imigrarem ilegalmente para o país.

O projeto de lei da Câmara contemplava também a construção de mais de 1.100 quilômetros de cercas ao longo da fronteira de 3.200 quilômetros entre os EUA e o México. Este ponto do projeto foi modificado pela comissão, que propôs apenas uma "barreira virtual": um sistema de vigilância intensa, com veículos e câmeras de controle remoto.

As manifestações pró-imigração do fim de semana, em grande parte articuladas por um movimento da Igreja Católica, mostraram que os republicanos se arriscam a perder o apoio que conquistaram, com Bush, do eleitorado de origem hispânica, que representa um bloco importante de eleitores em vários Estados e pode ser a diferença entre a vitória e a derrota na eleição presidencial.