Título: Acerto de reciprocidade Oposição caiu na armadilha montada pelo PT para mostrar que são todos iguais
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2006, Nacional, p. A6

Oposição caiu na armadilha montada pelo PT para mostrar que são todos iguais

Se houve acordo com escritura lavrada em cartório ou se as absolvições dos deputados Roberto Brant e Professor Luizinho foram fruto de um acesso coletivo de ausência de senso de limites, pouco importa.

Fato é que a cena produzida na quarta-feira no plenário da Câmara traduziu um acerto de reciprocidade do qual se excluiu a opinião pública, ali tratada como instância quase criminosa de tribunal de exceção.

Partidos de governo e oposição trocaram benefícios entre si, fazendo do Congresso uma cidadela de regras próprias. Os governistas, imersos na lama até o pescoço, já não tinham nada a perder.

Os oposicionistas abriram mão de qualquer resquício de autoridade moral para contestar o presidente Luiz Inácio da Silva em sua leniência com a prática do caixa 2, caíram na armadilha montada pelo PT para demonstrar por A mais B que na política são todos iguais e não poderão mais abrir a boca na campanha eleitoral para falar sobre ética sem correr o risco de serem desmoralizados pelo adversário e pelo eleitorado.

Quando a Câmara abrigou a tese de que a opinião pública nada vale, obrigou-se também a inocentar os próximos da lista de cassações, pois seus crimes são da mesma natureza dos cometidos pelos absolvidos. Condená-los agora equivaleria a fazê-lo só para atender à demanda externa, dar uma satisfação a quem, pelos critérios de quarta-feira, não merece.

Esquecem-se os parlamentares de que, ao recusar atenção à expectativa da sociedade, negam a própria essência de suas funções. Donos de mandatos eletivos são locatários da vontade popular, só existem como expressão da opinião do público manifestada nas urnas.

Aceita a premissa da dissociação entre a vontade de representados e os atos dos representantes, rompe-se o compromisso essencial da representação e, a partir daí, tudo o mais perde o valor.

Desde quarta-feira está firmada no Poder Legislativo a norma segundo a qual o autor de crime eleitoral não é passível de punição. Trata-se de uma infração aceitável no rol do decoro. Amanhã, não é absurdo pensar que o Parlamento decida também liberar para seus integrantes a prática de outras agressões à legislação. A que proíbe matar ou roubar, por que não?

Se nesta semana suas excelências resolveram que estão acima do julgamento da opinião pública, se decidiram que ato de coragem é confrontar o consenso social - além dos fatos, claro - na próxima não é absurdo raciocinar com a possibilidade de que pretendam avançar e, a pretexto de preservar sua liberdade de ação, decretem independência em relação a qualquer princípio.

Quem pode o mais - revogar o sentido da delegação do voto -, pode o menos: absolver todos os envolvidos no escândalo do mensalão e suas variantes relativas ao uso do caixa 2, dar o dito pelo não dito, incinerar as evidências recolhidas nas investigações, providenciar sacolas para acomodar as respectivas violas e, obviamente, no tocante à oposição, providenciar um belo ato público de desagravo ao governo e ao PT em penitência por todas as ofensas que lhe foram injustamente imputadas.

Vai ou racha

O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, não quer falar em ultimato - "as coisas não são nem nunca foram postas nesses termos" -, mas acha que os dois pré-candidatos à Presidência da República do partido devem adotar uma agenda de procedimentos na qual fica estabelecido o prazo deste fim de semana para José Serra e Geraldo Alckmin chegarem a um entendimento.

Se não conseguirem nas próximas horas construir uma fórmula que atenda às conveniências do partido, Tasso diz que a direção tucana será obrigada a decidir. "Nesse caso, um dos dois poderá se sentir prejudicado, mas sinto muito, eles devem compreender que o partido não pode ficar eternamente preso às circunstâncias de vontades e de personalidades."

O senador afirma que não se trata de uma ameaça, mas de "conclusão lógica" diante dos acontecimentos. Segundo Tasso, nunca foi real a versão de que ele com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, teriam o poder de decisão.

"Sempre preferimos que a solução fosse negociada entre os dois mediante o exame de todos os prós e contras envolvidos para um e para outro, tendo como horizonte a decisão melhor para o PSDB."

Mesmo evitando falar em datas, Tasso Jereissati considera que a decisão não passa do início da próxima semana. Não externa preferências por uma ou outra solução para não ferir suscetibilidades de Serra ou Alckmin.

Mas, se avocasse para si, hoje, a prerrogativa de estabelecer a fórmula para resolver a questão, diria que José Serra como candidato ao governo de São Paulo e, portanto, Alckmin a presidente, seria o ideal para o partido.

Já considerou essa hipótese impossível, dada a dificuldade de convencer Serra a aceitar. Ontem, entretanto, já incluía essa possibilidade no cenário das probabilidades.