Título: Mattoso diz que entregou dados a Palocci e deixa presidência da Caixa
Autor: Vannildo Mendes e Vânia Cristino
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Nacional, p. A7

Em depoimento ontem à Polícia Federal (PF), o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, confessou ter entregue em mãos ao ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, um envelope com os extratos bancários do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo. Ao final do depoimento, que durou duas horas, Mattoso foi indiciado por crimes que prevêem pena de até seis anos de prisão. A situação ficou insustentável e, à noite, ele também deixou o cargo.

Com as declarações de Mattoso, Palocci também passa a ser alvo de investigação na PF e deve ser convocado para prestar esclarecimentos na segunda etapa do inquérito. O depoimento do presidente da Caixa causou forte impressão nos policiais. "Foi um depoimento corajoso, mas de alguém arrasado", resumiu o delegado Rodrigo Carneiro, titular do inquérito.

A PF vai agora concluir as perícias e fazer o cruzamento de dados e depoimentos para levantar toda a cadeia de comando envolvida na violação do sigilo de Nildo. Caso haja mais de três envolvidos, eles serão indiciados também por formação de quadrilha.

Entre os passíveis de indiciamento até agora mapeados, está o consultor da presidência da Caixa Ricardo Schumann, amigo de Mattoso e ex-presidente da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab) na gestão de Marta Suplicy (PT). Foi ele quem recebeu a ordem de Mattoso para levantar os dados do caseiro e a transmitiu aos subordinados da sua confiança.

Correm o mesmo risco de indiciamento a superintendente nacional de Gestão de Pessoas da Caixa, Sueli da Silva Mascarenhas, intermediária da ordem para violar o sigilo, e o gerente de conta, Jeter Ribeiro de Souza, que confirmou ter acessado a conta e feito a impressão dos extratos do caseiro.

A entrega dos dados ao ministro, conforme Mattoso relatou à polícia, foi feita na noite de 16 de março, dois dias após a entrevista, publicada no Estado, na qual Nildo revelou que Palocci era freqüentador regular de uma mansão do Lago Sul - bairro nobre de Brasília -, em que lobistas de Ribeirão Preto promoviam negócios ilícitos e festas com garotas de programa.

COAF

O presidente da Caixa relatou que, ao longo do dia 16, foi advertido por técnicos da área financeira da instituição. "Eles me alertaram da atipicidade das movimentações bancárias do caseiro", relatou Mattoso à polícia, frisando que comunicou o fato a Palocci e determinou a Schumann que obtivesse cópias dos extratos - entregues naquela mesma noite a Palocci.

De acordo com Mattoso, logo no dia seguinte ele repassou os dados da movimentação do caseiro ao Banco Central e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para aprofundamento da investigação sobre o caseiro.

Nildo passou, então, a ser tratado como suspeito de lavagem de dinheiro pelos órgãos de fiscalização do Estado, subordinados a Palocci.

Mattoso ponderou que agiu de boa-fé e alegou que, por lei, a Caixa, como qualquer banco, tem o dever de avisar ao BC e ao Coaf sobre "movimentações atípicas". As explicações, porém, não convenceram a polícia, que identificou indícios de violação ilegal de sigilo e de associação criminosa de membros da Caixa e do Ministério da Fazenda para cometimento de ilícito.

O presidente da Caixa foi indiciado com base no artigo 10 da Lei Complementar 105, que trata do sigilo de operações financeiras, e no artigo 325 do Estatuto do Servidor, que pune com pena de seis meses a dois anos de prisão o servidor que "revelar fato sigiloso de que tenha ciência em razão do cargo".

A PF concluiu que outro investigado, o gerente Paulo César Biasi, é inocente. Ele é um dos dois que operavam a máquina onde foi violado o sigilo do caseiro. O outro gerente, Jeter Souza, já foi interrogado e a PF analisa se ele agiu apenas cumprindo ordem, sem conhecimento da finalidade.

Nos últimos dez dias, desde que foi aberto o inquérito, a Polícia Federal teve a colaboração decisiva do gerente de Segurança de Informação do banco, Delfino Natal de Souza, e do presidente da comissão de sindicância aberta pela instituição, Marco César Cazali.

SAÍDA

Em nota assinada por Mattoso e divulgada pela Caixa quase duas horas após o encerramento do depoimento à PF (ver íntegra nesta página), Mattoso declarou que não teve culpa pelo vazamento dos dados sigilosos: "Não fui o responsável pelo vazamento da informação."

Mattoso confirmou que teve acesso às informações de Nildo, mas fez questão de ressaltar: "Na condição de presidente da Caixa e no pleno e legítimo exercício de minhas funções." Em nenhum trecho da nota Mattoso cita o nome do caseiro e muito menos o do ex-ministro da Fazenda.

Nas explicações, Mattoso afirmou que cumpriu o seu dever funcional, "sem que isso, de forma alguma, representasse quebra indevida de sigilo".

Mattoso não explicou na nota se cabe diretamente ao presidente da Caixa fazer comunicações dessa natureza ao Coaf e muito menos se é função do mais alto dirigente da instituição ir diretamente ao ministro da Fazenda levar esse tipo de informação. Ao final da nota, Mattoso explica que pôs o cargo à disposição em razão da repercussão do caso.