Título: De cidadão comum a celebridade em duas semanas
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Nacional, p. A8

Apesar do jeito simples, das roupas modestíssimas e da total ausência de brilho na oratória, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, já virou personalidade política das mais comentadas. Desde sua entrevista ao Estado, no dia 14, quando contradisse abertamente o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ele tem sido tema de debates, homenagens e citações por todo o País. Na quinta-feira, ele será o principal convidado de um ato público que a OAB e o Movimento da Indignação à Ação vão promover em São Paulo, pela dignidade na política.

Na internet, já surgiram 12 comunidades dedicadas a ele no site de relacionamentos Orkut. A maioria delas é abertamente favorável ao caseiro. Na comunidade chamada Obrigado Nildo, Caseiro 10, a dona de casa Cleide Francez Ferreira, de 54 anos, dois filhos, definiu Nildo como "cidadão exemplar, cidadão coragem, brasileiro com muito orgulho".

A indignação pelo fato de ele ter passado de testemunha a acusado e de ter seus direitos violados já levou mais de um internauta a propor o boicote à Caixa Econômica Federal. Um deles até sugeriu o slogan para a campanha: "Sai da Caixa você também."

Um comerciante de Curitiba, dono de uma loja de produtos para surfistas, fez a seguinte introdução para a comunidade que criou há pouco: "É para todos que acreditam mais nas pessoas simples do que nos engravatados."

A idéia do homem simples e anônimo que, com um gesto corajoso e desinteressado pode mudar o rumo das coisas, é quase onipresente. O criador da comunidade Francenildo, o Governo o Calou, que se identifica como Esdras Bittencourt, disse que sentiu vergonha pelo fato de o caseiro não ter sido ouvido no Congresso: "Numa Casa onde até a dona de um bordel pode falar, um caseiro, trabalhador, teve seu direito de cidadão proibido, por saber demais."

A tendência das comunidades no Orkut pode ser identificada quase sempre pelo título. Como este: Francenildo É o Cara. Mas há casos em que a primeira impressão engana. O criador da comunidade Francenildo para Presidente faz a seguinte pergunta aos participantes: "Qual seria o nome do partido do Francenildo?" E responde: "PCD - Partido dos Caseiros Dedos-Duros."

A coloração partidária das comunidades é marcante, com predominância de grupos simpáticos ao PSDB. Os ataques ao caseiro provêm quase invariavelmente de internautas favoráveis ao PT, para quem Nildo faria parte de um esquema destinado a desestabilizar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O criador da comunidade Quero Ser Irmão do Francenildo ironiza o caseiro, por causa do dinheiro depositado na conta dele por seu suposto pai biológico: "Também quero 38 mil."

As intervenções não passam por filtro nenhum - o que significa que sobram preconceitos e insultos cabeludos, alguns irreproduzíveis. Para a senhora Cleide, descontados os excessos, trata-se de um espaço democrático, onde todo mundo pode expor abertamente o que pensa.

De modo geral, a situação de Nildo lembra a de outro cidadão comum, Francisco Eriberto Freire de França, que era motorista do Planalto em 1992 e contradisse o então presidente Fernando Collor, também numa entrevista à imprensa.

Ao revelar detalhes do esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias, o PC, ele precipitou a derrubada do homem com maiores poderes na República e viveu dias inesquecíveis. Foi capa de revista, recebeu aplausos calorosos no plenário da Câmara e chegou a ser apontado como um exemplo de coragem para o País.

Na época, quem chefiava a tropa de choque de Collor, interessada em silenciar Eriberto a qualquer preço, era o deputado Roberto Jefferson, do PTB. Um dos maiores defensores do direito de o motorista falar e acusar o presidente era o deputado José Genoino, então um dos expoentes da bancada petista no Congresso. Sempre que podia, Genoino lembrava o fato emblemático de Eriberto ser alguém do povo.

Vale lembrar uma das frases mais repetidas por Genoino, quando Collor estava na iminência de desabar: "É a vingança dos descamisados. Eles elegeram Collor, agora um deles vai derrubá-lo."