Título: "O lado mais fraco não é o do simples caseiro, é o da mentira", reage Nildo
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2006, Nacional, p. A8

O caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, comentou com uma única frase a demissão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "Ficou provado que o lado mais fraco não é o de um simples caseiro: o mais fraco é o lado da mentira", disse Nildo, na tarde de ontem, após ser informado da queda do titular da Fazenda.

Nildo não esconde que está abalado pela reação desencadeada pelo governo, há duas semanas, quando o Estado publicou a entrevista em que ele desmentiu Palocci sobre suas idas na mansão do Lago Sul, onde havia partilha de dinheiro e festas embaladas por garotas de programa.

O caseiro foi alvo de uma devassa e sua movimentação bancária, escarafunchada ilegalmente. Até mesmo suas compras e dívidas pendentes com o comércio foram levantadas.

Na gênese da reação do governo estava a suposição de que Nildo, rapaz de 24 anos, era instrumento de uma conspiração política. De acordo com fontes do governo, ele dera a entrevista a mando da oposição, em troca de R$ 25 mil, depositados em sua conta na Caixa Econômica Federal. "Eu pensava que não ia chegar aonde chegou", desabafou.

O ataque a Nildo, no entanto, começara antes, via legal. Ele foi o único cidadão brasileiro impedido de depor numa comissão parlamentar de inquérito, contra a sua vontade, por ordem de liminar dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi tomada pelo ministro César Peluso, para atender a um pedido do senador petista Tião Viana (AC).

Menos de uma hora de depoimento foi suficiente para que Nildo reafirmasse que vira Palocci na casa do Lago Sul. Reiterou, também, que o então ministro era tratado como "o chefe" pelos integrantes da república de Ribeirão. "Confirmo até morrer", disse.

VIOLAÇÃO

Não bastasse o silêncio imposto pelo Supremo, o governo buscou na raiz das declarações de Nildo uma motivação política. Para confirmar a tese, invadiu, sem ordem judicial, as contas do caseiro.

O que viria depois, porém, surpreendeu a todos: a violação do sigilo bancário foi seguida do escancaramento de sua vida privada. Para se defender, Nildo teve de contar detalhes de um drama familiar. O dinheiro de sua conta viera de um acerto feito com o pai biológico, Eurípedes Soares, para evitar o reconhecimento da sua paternidade.

Em entrevista ao Estado, a mãe de Nildo, Benta Maria Santos Costa, confirmou que teve um caso com o empresário, que é casado.

Os R$ 25 mil encontrados no extrato viriam de um acordo com o pai, explicou ele, quando a revista Época colocou sob suspeição a sua entrevista e o depoimento à CPI dos Bingos. "Foi o momento mais duro de todos", desabafou.

Contendo as lágrimas, em entrevista concedida na última sexta-feira, Nildo ameaçou naquela noite "dar um sumiço na vida" se algo acontecesse com a sua avó Maria das Dores, de 67 anos, acometida por problemas de saúde desde que o viu na TV, envolvido em um escândalo nacional.

"Se eu não tivesse fé, já teria chutado o balde", resumiu o caseiro, ao transmitir o que tem sido a sua vida desde que o governo colocou a máquina de investigação oficial no seu encalço. Segundo ele, os dias têm sido de ansiedade, sem saber se vai conseguir um emprego ou mesmo se conseguirá livrar ele próprio e a sua família de outras formas de violência.

Em meio à pressão, Nildo acha graça quando se lembra de que começou a trabalhar aos "6, 7 anos", porque "só tinha feijão pra comer".

Ganhava a vida capinando nos arredores de Nazária, o município onde nasceu, a poucos quilômetros de Teresina. Ele garante que era bom na enxada: "Trabalhava como gente grande. O patrão resolveu que deveria receber a diária paga aos adultos, não a metade dada às crianças."

A pedido do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda e especializado em detectar crimes de lavagem de dinheiro, o nome do caseiro foi se juntar aos suspeitos de crime contra o sistema financeiro e num inquérito da Polícia Federal.

Como Nildo teve o seu sigilo violado a mando do então presidente da Caixa Econômica Federal, a Polícia Federal anunciou a decisão de fazer o mesmo, dessa vez com autorização à Justiça, para também abrir seus dados bancários, fiscais e telefônicos.