Título: Brasil quer rótulo 'contém transgênicos' em 4 anos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Vida&, p. A15

Indústria será autorizada a usar 'pode conter' nesse prazo, até se adaptar à nova regra, que será defendida pelo País no Protocolo de Cartagena

CURITIBA

Ao fim de mais uma disputa entre ministérios, e com a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP 3) já em andamento em Curitiba, o governo brasileiro mudou sua posição com relação à identificação de cargas transgênicas para o comércio exterior. A partir de agora, o País defenderá que os carregamentos contendo organismos geneticamente modificados sejam claramente identificados com a palavra "contém", em vez de um simples "pode conter" - como vinha defendendo até agora. O agronegócio e a indústria teriam quatro anos para se adaptar à exigência - até lá, poderiam usar a expressão "pode conter".

A proposta foi anunciada no início da noite de ontem pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante passagem por São Paulo. A decisão política, segundo ela, foi tomada durante a manhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, em reunião com ela e os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e da Casa Civil, Dilma Roussef. "Acho que deixamos o Brasil em uma posição responsável em todos os sentidos", disse Marina, em tom de vitória. A proposta será apresentada na MOP 3 para negociação com os outros países signatários do protocolo.

Como tem sido a regra em Brasília no caso dos transgênicos, a discussão dividiu opiniões do setor agrícola (favorável ao "pode conter") e do setor ambiental (favorável ao "contém"). A decisão pelo "contém" implica na segregação e rastreamento de toda a produção de soja brasileira - assim como a de outros produtos transgênicos que venham a ser aprovados no futuro. Algo que, segundo o agronegócio, poderá aumentar os custos de produção e reduzir a competitividade brasileira.

Hoje, provisoriamente, o Protocolo de Cartagena exige apenas o "pode conter". O que significa que as cargas de soja transgênica e não transgênica podem ser misturadas sem problemas. A adoção do "contém", por outro lado, exigiria que os sistemas de produção fossem completamente separados. O protocolo trata apenas das regras de comércio internacional e não da rotulagem de produtos nos supermercados - algo que cada país decide individualmente.

POSIÇÃO INCOMUM

O Brasil é o único dos grandes exportadores mundiais de grãos que participa do Protocolo de Cartagena e, por isso, se encontra em uma posição incomum internacionalmente. Estados Unidos, Canadá, Argentina e Austrália não assinaram o acordo, mas serão influenciados pela decisão tomada pelo Brasil, que acaba sendo pressionado de ambos os lados.

Na última MOP, realizada em Montreal no ano passado, o País foi o único signatário do protocolo a defender a manutenção do "pode conter", ao lado da Nova Zelândia. A posição foi duramente criticada pelos setores ambientalistas.

Segundo Marina Silva, a nova opção pelo "contém" não colocará o País em desvantagem, já que os outros países exportadores (EUA, Canadá e Argentina) também seriam obrigados a identificar seus carregamentos. Isso porque, mesmo estando fora do protocolo, a identificação seria exigida pelos países importadores que são signatários do acordo. "Se isso for aprovado, todos os países terão de operar nesse sistema, direta ou indiretamente", disse.

Com relação aos custos envolvidos na segregação e rastreamento, o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco, disse que são "bastante competitivos". Segundo ele, a experiência de pequenas e médias cooperativas que já fazem a segregação (para garantir uma produção livre de transgênicos) gastam menos de US$ 0,30 a mais por tonelada de soja. Marina Silva disse que o governo poderá oferecer incentivos, inclusive financeiros, para viabilizar a construção da infra-estrutura necessária.

AUSÊNCIA

Por causa do impasse, a ministra faltou ontem à abertura da MOP 3, em Curitiba, quando receberia a presidência da Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica. A falta foi observada pelos delegados dos outros países como uma demonstração da indecisão brasileira sobre o assunto.

Até então, a delegação brasileira não sabia qual posição seria defendida na reunião. Curiosamente, a indefinição provocou um consenso improvável entre ambientalistas e indústria. "Essa falta de definição, com o tempo que havia para se resolver, mostra a esquizofrenia que toma o governo. De um lado, você tem o Brasil preocupado em preservar o ambiente; de outro, o Brasil que deseja aumentar suas fronteiras agrícolas sem critérios", disse Marcelo Furtado, do Greenpeace.