Título: Às 23h29, o 1º brasileiro irá ao espaço
Autor: Simone Menocchi e Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Vida&, p. A20

No fim do dia de hoje, o primeiro astronauta brasileiro, o tenente-coronel Marcos César Pontes, de 43 anos, será enviado para o espaço. A missão histórica começa às 23h29 (horário de Brasília) e termina dentro de dez dias, em 8 de abril.

Há dois palcos, ambos distantes do Brasil. O primeiro é a base de lançamento russa em Baikonur, no Casaquistão, de onde Pontes parte e para onde retorna. O segundo palco está ainda mais longe: a Estação Espacial Internacional (ISS), localizada na órbita terrestre, que há cinco anos é o único lugar do espaço onde o homem permanece ininterruptamente.

Pontes será lançado em uma nave Soyuz TMA, posicionada no nariz de um foguete que recebe o mesmo nome. Os dois são de origem russa, criados no início da década de 1960 e adaptado desde então.

Apesar de antigos, eles são considerados confiáveis e atualmente são os únicos meios de transporte espaciais em funcionamento ¿ os ônibus americanos, que têm capacidade de carga maior, estão parados após um acidente em fevereiro de 2003 e os problemas de segurança não terem sido solucionados.

Ontem, o médico Luis Cláudio Silveira, que acompanha a missão em Baikonur, confirmou que o astronauta está bem de saúde e em boa forma. Segundo ele, não há risco de problemas ósseos, comuns em vôos mais longos, uma vez que Pontes ficará pouco tempo em um ambiente sem gravidade. ¿A possibilidade é desprezível. Mesmo a perda de massa muscular, com certeza, será insignificante.¿

O astronauta é o terceiro membro da missão de troca da 12ª pela 13ª tripulação da ISS. No início do ano, Pontes brincou que fazia parte da ¿missão 12,5¿, porque vai com uma equipe e volta com outra depois de oito dias na ISS. No Brasil, ela recebeu o nome de Centenário, uma comemoração dos cem anos do primeiro vôo do 14-Bis, que pelas mãos de Santos Dumont levantou vôo em Paris em 1906.

Com Pontes, seguem o comandante russo Pavel Vinogradov e o engenheiro de bordo americano Jeffrey Williams, que permanecerão na estação pelos próximos seis meses. Eles substituem o comandante americano Bill McArthur e o cosmonauta Valery Tokarev, que chegaram ao local em outubro.

SELEÇÃO

Pontes foi selecionado pelo governo há oito anos, quando o País assinou um contrato com a Nasa e os outros 15 integrantes do projeto da ISS: forneceria algumas peças para a estação, na época ainda um embrião, em troca de uma viagem em um ônibus espacial.

O Brasil não conseguiu cumprir parte do seu trato e a parceria foi reavaliada. A realização da viagem de Pontes, que treinava no centro espacial da Nasa, foi ameaçada. O atraso aumentou após os problemas com os ônibus espaciais americanos.

No ano passado, o Brasil decidiu desembolsar uma verba adicional para mandar seu único astronauta para o espaço, dessa vez em uma nave russa. Foram pagos US$ 10 milhões ¿ metade do que é normalmente cobrado dos turistas espaciais pela Roskosmos. Com a jogada, Pontes pulou uma parte da fila de espera e realiza hoje seu sonho. O pagamento também antecipou o envio de Pontes de outubro para março. A mudança de data é vista por críticos como uma jogada ¿eleitoreira¿, especialmente por causa de uma conversa que acontecerá entre o astronauta e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 5. O governo nega.

Essa não foi a única crítica feita à missão. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) defende que o dinheiro teria melhor destino se investido em pesquisas na Terra. A Agência Espacial Brasileira rebate o comentário, mas admite que a principal motivação é a visibilidade que o programa receberá.

TESTES

Além de ajudar a tripulação da ISS, o brasileiro seguirá uma agenda nacional em sua permanência no espaço. Ele conduzirá oito experimentos em microgravidade, selecionados em institutos de pesquisa e escolas do País. Os temas variam entre os campos de biotecnologia, nanotecnologia e engenharia mecânica.

Duas experiências foram enviadas por uma escola do interior de São Paulo: germinação do feijão e cromatografia de clorofila, duas velhas conhecidas dos alunos de biologia do ensino fundamental. Elas foram igualmente criticadas, por não trazerem benefícios reais à ciência brasileira, e festejadas, por aproximar a astronáutica da população.

Distantes da polêmica, os alunos que idealizaram os testes, divididos em quatro escolas de São José dos Campos (SP), acompanham a missão de Pontes com expectativa. No sábado, dia em que o astronauta começará a experiência, os alunos farão o mesmo na Terra, para comparar os resultados depois. ¿Essa é uma experiência inédita para mim, para os professores e alunos. As crianças estão muito ansiosas e até emocionadas¿, contou a coordenadora dos projetos, Elisa Farinha Saeta.

Toda trajetória dos experimentos será acompanhada pela internet, em um site especial disponibilizado pela AEB (www.aeb.gov.br/missaocentenario). Assim como as crianças e adolescentes, é grande a expectativa da comunidade científica de São José dos Campos, cidade que reúne as principais instituições de pesquisa espacial do Brasil.

Para o tecnologista Petrônio Noronha de Souza, que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), essa missão é diferente das outras acompanhadas por eles por ter um brasileiro na equipe. ¿A nave tem um histórico de segurança muito grande e quanto a isso podemos ficar tranqüilos. A ele desejamos toda sorte.¿