Título: Partido de Sharon sai vitorioso Partido dos Aposentados é a grande surpresa
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Internacional, p. A16

O Kadima, partido criado por Ariel Sharon e o primeiro-ministro interino Ehud Olmert em novembro, venceu ontem as eleições parlamentares israelenses, marcadas pela apatia e o maior porcentual de abstenção desde a criação do Estado de Israel, em 1948. Olmert herdou o comando do governo e do partido em janeiro, depois que Sharon foi afastado por causa de um derrame que o mantém até hoje em estado de coma num hospital.

Com 99,5% dos votos apurados, o Kadima conquistou 28 das 120 cadeiras da Knesset (o Parlamento israelense), seguido pelo Partido Trabalhista, que obteve 20 assentos. Em terceiro lugar ficou o partido ultra-ortodoxo Shas, com 13 cadeiras. O Israel Beitenu obteve 12 e o direitista Likud, que perdeu força depois do desligamento de Sharon para formar o Kadima, conquistou apenas 11. O comparecimento ficou em 63,2%, menos que os 67,8% das eleições anteriores, em 2003.

Após a votação, Olmert fez um discurso em que pediu a união de todos os israelenses e disse que buscará delimitar as fronteiras de Israel num acordo com os palestinos. Mas deixou claro que, se um acordo não for possível, fará isso unilateralmente. "Eu me dirijo ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e digo da maneira mais clara: estamos preparados para abrir mão de partes da terra com que sonharam nossos antepassados para ajudá-los a realizar o sonho de vocês, que é viver num país soberano, em paz", afirmou.

Se o número de assentos garante ao Kadima a chance de formar o próximo governo, fica aquém da média de 35 indicada pelas pesquisas de intenção de voto nas últimas semanas.

A grande surpresa das eleições ficou por conta da queda do tradicional partido conservador Likud, que despencou para o quinto lugar, uma humilhação para uma legenda que liderou o país em grande parte dos últimos 30 anos e conquistou 38 cadeiras nas eleições de 2003, sob liderança de Sharon. Outra surpresa foi o sucesso do nanico Partido dos Aposentados, que obteve 7 cadeiras. Muitos votaram nele em protesto contra as legendas tradicionais.

Os números indicam uma maioria de cadeiras para partidos de centro ou de esquerda, o que possibilita a Olmert levar adiante seu plano de retirada unilateral da Cisjordânia. Assim que for apontado oficialmente pelo presidente Moshe Katsav, ele terá um mês para formar uma coalizão que reúna no mínimo 61 cadeiras.

Assim que os baixos porcentuais de comparecimento começaram a ser divulgados, os maiores partidos engataram planos de emergência para animar os eleitores. Ativistas do Kadima, por exemplo, enviaram centenas de recados por meio de telefones celulares (SMS). "Saia de casa e vote!", diziam os recados, parafraseando Sharon, que sempre incentivou seus partidários a ir às urnas.

As eleições ocorreram em clima de tensão. As forças de segurança israelenses receberam 80 alertas sobre possíveis atentados terroristas, sendo 20 deles concretos. Há dois anos não eram registradas tantas ameaças de ataques. Por conta disso, cerca de 25 mil soldados, policiais da guarda civil e voluntários foram mobilizados para fazer a segurança das mais de 8 mil urnas espalhadas por todo o país.

ATAQUE DA JIHAD

O temor de ataques acabou se concretizando ainda de manhã, quando quatro beduínos morreram vítimas de mísseis do tipo Qassam lançados por militantes de grupos extremistas palestinos. No primeiro incidente, dois pastores de ovelhas, um pai e seu filho de 16 anos, morreram ao tentar remover um foguete lançado há alguns dias perto da fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza. Horas mais tarde, mais dois beduínos morreram quando brincavam com a carcaça de outro foguete Qassam, que acabou explodindo.

O grupo radical Jihad Islâmica reivindicou a autoria dos lançamentos, que teriam como objetivo atrapalhar as eleições israelenses. A Jihad Islâmica também teria lançado, pela primeira vez, um foguete Katyusha em direção a Israel. Esse tipo de projétil, com alcance bem maior que o Qassam, é típico da guerrilha libanesa Hezbollah, que atua na fronteira norte de Israel com o Líbano.

Apesar do baixo comparecimento às urnas e da tensão, o clima nas ruas de Tel-Aviv era de festa democrática. Eleitores e ativistas políticos saíram às ruas da cidade, concentrando-se principalmente nos arredores de centros de votação. Cartazes e santinhos dos partidos se misturaram à arquitetura local. Poucos eleitores reclamaram de filas nas seções eleitorais. E a polícia não registrou muitos incidentes relacionados às eleições.