Título: 'Na Rússia, ele estaria vivo'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Internacional, p. A12

Chanceler ironiza temor de que Milosevic quisesse fugir

A porta-voz da promotoria do Tribunal Penal Internacional da ex-Iugoslávia (TPII), Florence Hartman, admitiu ontem em entrevista na televisão francesa que Slobodan Milosevic pode ter ingerido medicamentos inadequados, que agravavam seu estado de saúde para forçar sua transferência para Moscou - onde pretendia submeter-se a um tratamento cardíaco, como havia solicitado em carta ao governo russo, na semana passada. Segundo a porta-voz, "essa hipótese é provável, pois temos a prova de que ele tomava medicamentos não receitados pelos médicos que o acompanhavam". Essa seria uma forma de forçar sua transferência, sem nenhuma garantia de volta para ser julgado, segundo as autoridades do tribunal.

Florence justificou a recusa do TPII em autorizar o tratamento em Moscou, pois o tribunal mantém "sérias reservas" em relação à Rússia, temendo que a viagem pudesse ser só de ida. Para o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, se Milosevic tivesse sido transferido para Moscou, muito provavelmente, ainda estaria vivo. Essa seria uma forma de impedir o andamento do processo previsto para dois anos, mas que já durava quatro e se aproximava do fim. Agora, um inquérito será aberto para saber quem fornecia esses medicamentos inadequados para pressão alta a Milosevic, dentro da prisão.

A porta-voz lembrou que ele era tratado regularmente e submeteu-se a mais de 120 exames médicos nos últimos meses. Não haveria, portanto, nenhuma razão para ir a Moscou, pois estava em uma capital com todos os recursos médicos e hospitalares.

Também seu irmão, Borislav Milosevic, ex-embaixador da Sérvia em Moscou, explicou na televisão que falou por telefone com Milosevic na quinta-feira e o prisioneiro se encontrava de bom humor, sem depressão ou qualquer sintoma capaz de levá-lo ao suicídio. Por isso, ele dá crédito à tese do envenenamento levantada por pessoas próximas, mas o TPII refuta a hipótese, lembrando que tinha todo interesse em julgá-lo.

Agora, após a morte de Milosevic, a opinião pública internacional quer saber até que ponto pode um Tribunal Penal Internacional julgar um chefe de Estado, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade. Os alvos principais do tribunal, cuja credibilidade sai arranhada do episódio, são os responsáveis diretos pelo massacre de Srebrenica, Radovan Karadizic e Ratko Madlic.