Título: Nos bastidores, ministros travam duelo pelo poder
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Internacional, p. A17

A França está na rua. O tumulto, a revolta e a greve são sua cultura. É sua maneira de fazer política. Enquanto milhões de manifestantes saem às ruas, o combate entre os profissionais da política se trava na sombra. Membros dos altos escalões da república utilizam a multidão à revelia para mover seus peões e satisfazer as próprias ambições. É o que estão fazendo os dois chefes da direita francesa: o primeiro-ministro Dominique de Villepin e o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. Eles se odeiam e têm a mesma ambição: tornar-se presidente em 2007. O estranho é que os dois inimigos estão trocando os lugares que ocupavam no tabuleiro político.

Até aqui, Villepin se pretendia amável, conciliador, "social". Ele se situava à esquerda da direita. Já Sarkozy, duro, inflexível, admirador da polícia, ilustrava a direita da direita. Mas os papéis se redistribuíram.

Villepin, que acendeu o fogo impondo uma reforma liberal (modelo anglo-saxão) do código do trabalho, levantou a ira das ruas. Em seguida, por orgulho, recusou-se a abrandar sua reforma. O astuto Sarkozy agarrou a oportunidade. Ele, que era descrito como fascista e indiferente ao social, logo procurou ocupar o ninho recém-abandonado por Villepin - o da direita compreensiva, negociadora -, afirmando: "Por que impor essa reforma que os jovens não querem? É preciso negociar." Por trás dos tumultos, portanto, se dissimula um jogo sorrateiro: qual será o candidato da direita à presidência?

*Gilles Lapouge é correspondente do 'Estado' em Paris