Título: Greve só paralisa parte da França
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Internacional, p. A17

Cerca de 3 milhões de pessoas saíram ontem às ruas das principais cidades do país, segundo estimativa dos sindicatos, para protestar contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE) - lei que reduz direitos trabalhistas para incentivar as empresas a contratar jovens. A polícia, que entrou em choque com ativistas na capital e outras cidades do país, calculou em cerca de 1 milhão o total de manifestantes. Houve também paralisações parciais em vários setores-chave, como o sistema de transportes, provocando grandes transtornos. Apesar disso, o primeiro-ministro Dominique de Villepin se manteve irredutível: não revogará nem suspenderá a lei, como exigem sindicatos e estudantes. "A república não aceita ultimato", disse ele em discurso na Assembléia Nacional, cuja bancada governista, majoritária, já aprovou o CPE. Para entrar em vigor essa polêmica lei, que segundo seus opositores viola a legislação trabalhista, precisa apenas da sanção presidencial.

Villepin insiste, contudo, em que está aberto ao diálogo. Da passeata na capital, com momentos alegres e tensos, participaram também pais e avós dos jovens, que deixaram às 14 horas a Praça da Itália em direção à Praça da República. A multidão agitava cartazes e faixas com os dizeres: "CPE, precariedade e exclusão".

Diante desse quadro, o presidente Jacques Chirac anulou todas suas viagens até o fim de semana para acompanhar a evolução da crise e, se necessário, intervir. Por sua vez, líderes sindicais e estudantis reúnem-se hoje para debater os novos rumos do movimento.

Uma das principais conseqüências políticas dos protestos de rua teria sido um racha na maioria parlamentar, anunciado por alguns setores da mídia. Isso diante da posição irredutível de Villepin, que rejeitou sugestão do ministro do Interior e rival político, Nicolas Sarkozy, para suspender o CPE durante o período de uma eventual negociação dos termos da lei com estudantes e sindicatos. Villepin e Sarkozy postulam a candidatura conservadora à presidência da França e mantêm uma guerra particular. Alguns deputados aconselham Villepin e Chirac a sancionar rapidamente a lei, mas isso poderá precipitar uma crise com Sarkozy.

Só em Paris, segundo os organizadores, a passeata reuniu 700 mil pessoas. Em Marselha, Rennes, Caen, Rouen, Bordeaux, Lyon, as manifestações também foram expressivas. Houve choques entre policiais e os chamados casseurs ("quebradores", provocadores que se infiltram entre os manifestantes), mas menos violentos que os da semana passada. Os casseurs foram neutralizados não só pelo contingente policial de 4 mil homens, mas também por seguranças das centrais sindicais, armados com discretos bastões. Mesmo assim, muitas vitrines de bares, lojas e restaurantes foram quebradas.

Pela primeira vez a polícia utilizou fuzis com balas carregadas de tinta para marcar e facilitar a detenção dos manifestantes mais violentos. Cerca de 600 pessoas foram detidas, das quais 240 na capital. Mais de 60% do transporte coletivo funcionou, mas mesmo assim os transtornos foram grandes. Cerca de 30% dos vôos nos aeroportos de Roissy e Orly foram cancelados.