Título: As curvas da estrada tucana
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Nacional, p. A6

PSDB fez do despiste um método que, embora confuso, tirou Lula da cena principal

É fato que rendeu desgaste e vai produzir um perdedor, mas o processo(in) decisório do PSDB para escolher seu candidato a presidente da República até agora ao menos cumpre um objetivo favorável à oposição: deixou temporariamente em segundo plano a candidatura do presidente Luiz Inácio da Silva à reeleição, assunto dominante da cena política até se iniciar o vaivém tucano entre o ser ou não ser de José Serra e Geraldo Alckmin.

O anúncio oficial estava prometido para hoje e pode ser até que a decisão já esteja tomada há algum tempo. Seja como for, em matéria de despiste o PSDB revelou-se um especialista no ramo. Começou dizendo que a candidatura dependia exclusivamente de uma tomada de posição de Serra sobre deixar ou não a Prefeitura de São Paulo e chega aos momentos finais dessa fase preliminar da campanha falando em prévias.

Nesse meio tempo, deixou que se explicitasse a divisão dos grupos dentro do partido, lançou sinais sobre a possibilidade de lançar uma chapa puro-sangue sem candidato a vice de outra legenda, insinuou que poderia recorrer à alternativa Aécio Neves para resolver o impasse.

Quando o ambiente já assumia contornos de guerra de extermínio, o PSDB começou a difundir versões que apontavam na direção da unidade e da decisão tomada pelas instâncias partidárias: acenou com a solução negociada de Alckmin para presidente e Serra para o governo de São Paulo e levantou a hipótese de levar o assunto ao Diretório Nacional em figurino de prévias.

Pode ter sido coincidência, mas era exatamente sobre isso, a disputa num "colegiado amplo", que o governador Geraldo Alckmin falava no início de fevereiro quando pronunciou pela primeira vez a palavra "prévias" e defendeu a idéia de a cúpula do partido encontrar uma forma de "auscultar" o partido. A referida cúpula, o presidente Tasso Jereissati à frente, reagiu contra, mas de leve, como quem deixa a porta entreaberta para o caso de necessidade.

Na ocasião, o forte do noticiário político era, de um lado, a pré-campanha de Lula e sua recuperação nas pesquisas e, de outro, a história da lista de políticos de oposição que teriam recebido dinheiro ilícito por intermédio da diretoria de Furnas. De lá para cá, tudo isso foi deixado de lado e não se fala praticamente em outra coisa senão na escolha do candidato do PSDB à Presidência da República.

A cada momento o tucanato inventa um fato - ou factóide - novo diferente.

A última forma lançada ontem à tarde era a da antecipação da convenção de junho, como se fosse crível imaginar o partido abrindo mão de três meses de prazo para oficializar o início da campanha, inclusive de seus candidatos aos outros cargos em disputa, de forma extemporânea.

As versões que se sucedem umas às outras vão deixando pelo caminho dados importantes e indicam que o PSDB pode ter optado por trabalhar em dois planos superpostos: um externo e outro interno. Por exemplo: o partido encomendou em fim de janeiro quatro pesquisas nacionais e regionais, em São Paulo, para medir o potencial de seus dois postulantes e identificar os pontos fracos do adversário, vale dizer, Lula.

Até agora não se ouviu falar do resultado dessas consultas. A única informação a respeito de pesquisas foi uma feita por telefone mostrando que José Serra teria 72% das preferências contra 17% de Marta Suplicy para o governo do Estado de São Paulo. Isso justo no momento em que o partido divulgava a versão sobre a solução negociada de Serra disputar o Palácio dos Bandeirantes e Alckmin o Planalto. Emplacada a história no noticiário, o assunto foi dado por esquecido.

Enquanto isso, internamente, o roteiro foi evoluindo da maneira posta inicialmente. Serra, conforme o exigido, comunicou à cúpula a disposição de disputar a Presidência, Alckmin manteve a postulação exatamente como havia anunciado e o PSDB continuou ganhando tempo, marcando datas para o anúncio oficial, adiando sistematicamente a decisão e caminhando para o prazo dado inicialmente de final de março.

O grande drama de um mês atrás - o impacto da saída de Serra da Prefeitura - foi sendo diluído ao ponto de hoje se cogitar sem traumas sua renúncia até por um projeto menor que a Presidência da República.

Quando o desenlace parecia certo para hoje, surgiu a história das prévias que, se concretizada, demandará preparativos. Com isso, o novo adiamento não poderá ser de menos de uma semana. Pelo menos, pois dificilmente os tucanos marcariam a consulta ao Diretório Nacional para o próximo domingo, a data das prévias do PMDB.

Com perdão da imagem paupérrima, a impressão que dá é que a tucanagem vai levando as pessoas no bico, fazendo de conta que se atrapalha enquanto se ajeita à própria maneira. E está dando certo. Existem sinalizações para todos os gostos, mas não há como afirmar com certeza quem será o indicado, pois a ciência em pauta não é exata e o traçado do caminho escolhido é para lá de tortuoso.