Título: "Ministro chegava num Peugeot prata"
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Nacional, p. A4,5,6

Caseiro contesta depoimento de motorista e dá detalhes das visitas de Palocci à mansão alugada em Brasília

Caseiro da mansão que por oito meses serviu de base para a república de Ribeirão Preto, Francenildo Santos Costa, o Nildo, relatou ao Estado a rotina da casa e de seus freqüentadores, entre os quais incluiu o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mais enfático que o depoimento do motorista Francisco das Chagas Costa à CPI dos Bingos, segundo o qual Palocci fora à casa "umas duas ou três vezes", Nildo assegurou que o ministro foi mais assíduo.

"Ele chegava sozinho, num Peugeot prata, de vidro escuro, de uso do dr. Ralph (Barquete)", contou Nildo, referindo-se ao ex-assessor de Palocci em Ribeirão, já morto.

O caseiro garante ter testemunhado distribuição de dinheiro na casa do Lago Sul e conta que o local servia para reuniões do grupo. Relata, ainda, que a chegada de Palocci era antecedida de um aviso do seu secretário particular, Ademirson Ariosvaldo da Silva, e caracterizada pela discrição.

Pelo testemunho, Palocci, já como ministro, manteve relações com seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão, ao contrário do que afirmou à CPI. Abaixo, os principais trechos da entrevista do caseiro:

O que chamou mais a sua atenção nos meses em que conviveu com os inquilinos de Ribeirão Preto?

A forma de pagamento. Era muito bom.

O pagamento era em cheque?

Nunca saiu cheque, não. Só em dinheiro.

Quem morava na casa?

Ninguém morava lá. Passavam só a noite.

Quem eram essas pessoas?

Vladimir Poleto, doutor Ralph Barquete, doutor Rui (Barquete, irmão de Ralph), Ademirson (Ariosvaldo da Silva, secretário particular de Palocci) e o chefe.

Quem é o chefe?

A gente não chamava de Palocci lá na frente deles. Eles achavam ruim. Tinha que chamar de chefe.

E eles chamavam Palocci de chefe ou só os empregados?

Não, era para todo mundo: "Olha, o chefe vem hoje. Vamos sair fora e deixar a casa para o chefe." Isso quando ele ia durante a semana, porque geralmente ele ia no sábado e no domingo.

O senhor conheceu o ministro pessoalmente?

Eu via de longe, porque a casa tem sensor de luz que se acendia quando ele aparecia. Via a cara dele de terno e tudo. Num sábado à tarde, cheguei a ver ele com doutor Rogério (Buratti, ex-assessor de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto) e doutor Rui Barquete.

Onde havia sensores de luz?

Dentro da casa, para clarear o terreno. Ele pediu para desligar os sensores em volta da casa, mas não teve como desligar. Era para ninguém vê-lo. No jardim tem luzes. Ele falava que não era para ligar a luz do jardim, que queria a casa escura do lado de fora.

Ele chegava sozinho?

Chegava sozinho, vinha num Peugeot prata, de vidro escuro, dirigindo sozinho.

De quem era o carro?

Era de uso do doutor Ralph.

O senhor morava na casa?

Sim. A casa fica do lado da garagem. Quem está lá dentro dá pra ver quem está lá fora.

O senhor via o ministro chegando?

É, a gente via.

Mas ele disse que nunca foi à casa

Do lado dele, eu não sou nada, mas ele está mentindo.

Quantas vezes ele foi à casa?

Se for contar, que eu me lembre, umas 10 ou 20 vezes. Não foram três vezes como Francisco falou (à CPI dos Bingos).

Ele jogava tênis?

Teve um sábado em que estava jogando tênis com o doutor Rogério e Rui, à tarde.

Buratti freqüentava a casa?

Umas três vezes o chefe foi para conversar com o doutor Rogério, lá numa sala que tinha TV. Eles sempre ficavam lá. O doutor Rogério ficava lá com a mulher dele, Carla. Quando iam para São Paulo, Carla vinha no final de semana.

O senhor via dinheiro na casa?

Via, via as notas, pacotes de R$ 100 e R$ 50 na mala de Vladimir. Ele trazia muito dinheiro. Eu sabia que tinha muito dinheiro porque ele saía do quarto e fechava a porta do quarto.

Quem pagava as contas?

Era Vladimir. Vinha uma verba lá de São Paulo.

De onde vinha o dinheiro?

Vinha da empresa do doutor Rogério. Era ele quem pagava as despesas, os empregados. Ele passava o dinheiro para Vladimir.

O senhor participou alguma vez da entrega de dinheiro?

Um dia o Francisco me chamou para ir ao ministério. Disse: "Vamos ali mais eu, que você está à toa mesmo." Chegamos lá, Francisco parou o carro no estacionamento, ligou para o doutor Ademirson. Esperamos uns 20, 30 minutos. Aí ele desceu e Francisco entregou o envelope. Eu vi Francisco pegando o dinheiro. Dava para ver que era muito dinheiro, não era pouco. Acho que R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 7 mil.

O pagamento dos empregados da casa também era feito com dinheiro enviado por Buratti?

Era. Ele passava o dinheiro ao Vladimir, que pagava a gente.

O dinheiro vinha de São Paulo?

O dinheiro vinha lá da empresa de São Paulo, eles chamavam de verba.

Como era o pagamento de vocês?

Eles pagavam no dia 1º. Falavam que era até dia 5, mas pagavam antes. Davam R$ 750, R$ 770, mais um pouquinho. Vladimir era ótimo patrão.

Onde ele pegava o dinheiro?

Tinha vez que ele vinha com o dinheiro na mala, vinha do aeroporto, vinha de fora. Sempre pagavam na terça ou na quinta-feira.

O senhor levou dinheiro outras vezes para Ademirson?

Francisco deve ter levado muitas vezes. Pelo que eu conversei com ele, ele levou dinheiro para cada um deles. Levava para os apartamentos, para um e outro, doutor Rogério, doutor Ralph. Se precisava de dinheiro trocado, aí Vladimir fazia um pacote numa mesa que tinha lá, separava, desmanchava o dinheiro, separava e mandava Francisco distribuir. Francisco me falou isso.

O dinheiro que o motorista Francisco levava era para Ademirson ou para o chefe?

Não posso informar, não. Não sei o que eles faziam com esse dinheiro, não.

Alguma vez alguém falou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Ele era bem falado lá, mas quando falavam no nome de Lula iam lá para dentro. Falava nos eventos, nas viagens que ele ia fazer.

A casa era mobiliada?

Não, Vladimir comprou tudinho. As camas vieram assim que ele fez o contrato. As camas novas, tudo camona boa, bonita.

Eles guardavam roupa dentro daquela casa?

O Vladimir, o doutor Rogério, o doutor Ralph, sim.

Por que o senhor decidiu contar tudo isso agora?

É porque o Francisco depôs na CPI e citou a mim e minha mulher. Fiquei meio com medo e resolvi falar logo.