Título: O projeto revolucionário do MST
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Pela primeira vez, o principal dirigente do Movimento dos Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, descreveu com todas as letras e nenhum subterfúgio o objetivo último da sua organização. Em entrevista ao repórter Roldão Arruda, publicada domingo neste jornal, descortinou o DNA desse que é irrefutavelmente um partido revolucionário. Depois de suas declarações, ninguém com um grão de honestidade intelectual poderá ainda subscrever a falácia de que o MST é um movimento apolítico voltado para o combate ao que entende ser a iniqüidade social no campo - e que, no máximo, deve ser condenado por seus meios, não por seus fins.

Na realidade, meios, fins imediatos e mediatos fazem parte de uma mesma e articulada lógica insurrecional. Por exemplo, as pressões pelo assentamento das 140 mil famílias acampadas à espera da terra prometida pelo governo, segundo os números do MST, têm apenas importância tática, restrita. Para Stédile, a expansão do agronegócio de ampla base tecnológica tornou obsoleto "o modelo das reformas agrárias clássicas". Já não se trata de distribuir lotes aos que deles precisam para sobreviver: isso é detalhe.

Hoje, a reforma agrária "pressupõe um novo projeto político para o País", diz Stédile. "Necessariamente", faz questão de enfatizar. "A reforma agrária não se viabiliza no modelo neoliberal." A partir dessas palavras, é imperativo encarar cada uma e todas as ações - legais, pára-legais ou francamente ilegais - do MST como etapas da construção de um processo que, em nome da "democratização da sociedade" privilegia "novos mecanismos de participação popular" por oposição aos mecanismos da institucionalidade democrática: direitos individuais, liberdade de expressão, pluripartidarismo, eleições livres e regulares, alternância no poder e respeito às decisões do Judiciário.

O processo é revolucionário na medida em que presume implicitamente que aqueles "novos mecanismos" requerem a violência para se impor. Atos de selvageria como a destruição de um centro de pesquisas agrícolas da Aracruz no Rio Grande do Sul são legitimados pelo fato de a empresa ser "o símbolo do modelo do agronegócio neoliberal" e do capitalismo internacional. Como todo revolucionário quando confrontado com a questão da violência para atingir os seus alvos, Stédile a julga assunto menor perto do que seria o principal: "Ela é conseqüência do processo da imposição de um modelo..."

A violência como parteira da História já serviu de pretexto para a substituição de um modelo produtivo e de propriedade por outro, supostamente mais racional, apoiado na ciência e suas aplicações. O comunismo, dizia Lênin, são os sovietes mais a eletricidade. No caso do MST e congêneres do exterior com os quais está aliado, como a Via Campesina e ONGs companheiras de viagem, a violência serve ao retrocesso - a desmodernização da economia rural e a virtual abolição do comércio internacional de produtos agrícolas. Em vez disso, o Éden da agricultura familiar, quando não o comunismo primitivo, que de há muito as populações indígenas que o praticavam já descartaram.

Essencialmente, como diria Stédile, não há diferença entre esse delírio e aqueles que conduziram aos inomináveis massacres da Revolução Cultural na China e do Khmer Vermelho no Camboja, décadas atrás. Nos dois casos, o inimigo era o conhecimento, a tecnologia, o progresso e o conforto material. Pol Pot, do Khmer, um revolucionário que estudou em Paris, queria simplesmente erradicar as cidades. Na China e no Camboja de então, uma Embrapa - matriz da moderna agricultura brasileira - teria o mesmo destino do centro gaúcho de pesquisas vandalizado pela descerebrada massa de manobra do MST.

A infantaria de Stédile é decerto a primeira vítima da sua estratégia criminosa. Afinal, quanto mais violento o MST e menor o apoio da opinião pública aos seus métodos, menor a eficácia das pressões legítimas para acelerar os assentamentos. Em perspectiva ampla, porém, o que conta é o desafio emessetista ao poder do Estado: foi assim no governo Fernando Henrique, que o enfrentou com tibieza que estimulou sua ousadia. É assim no governo atual, com Lula, seu aliado ostensivo, fazendo questão de envergar publicamente o seu principal símbolo: o boné vermelho.

O partido revolucionário chamado MST escarnece do Estado que o financia.