Título: Atraso que prejudica o País
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Talvez haja algum exagero na previsão do Ministério do Planejamento de que, se o Orçamento da União para 2006 não for aprovado pelo Congresso Nacional até o fim deste mês, haverá o risco de faltar dinheiro até para o pagamento de contas de luz, água e telefone dos órgãos federais. Mas não há nenhuma dúvida de que o atraso na aprovação do orçamento é prejudicial ao País, e não apenas ao governo, como parece imaginar a oposição.

Para forçar a convocação extraordinária do Congresso durante o recesso de fim de ano, a oposição retardou a votação da proposta orçamentária do governo. Este, às voltas com a crise do mensalão e com sua base política desarticulada, não conseguiu a aprovação antes do fim de 2005. Mas o orçamento não foi votado nem durante a convocação extraordinária e não há, até agora, previsão de data para a votação do projeto em plenário. A proposta ainda não saiu da Comissão Mista do Orçamento, onde se discute o valor que a União deverá repassar para os Estados exportadores como compensação pelas perdas com a Lei Kandir. Os governadores querem R$ 5,2 bilhões e o relatório final elaborado pelo deputado Carlito Merss (PT-SC) prevê R$ 3,4 bilhões.

Trata-se, com certeza, de uma questão de grande relevância para os Estados interessados, mas é preciso que, na discussão da proposta orçamentária, os congressistas e o governo não esqueçam que o orçamento público é a peça essencial para a ação de governo. E a discussão e votação da proposta orçamentária é uma das principais funções do Congresso.

O fato de este ser um ano eleitoral dificulta o entendimento entre governo e oposição. Aquele quer mais e mais verbas para aplicar em obras que possa apresentar aos eleitores com sua realização; esta quer reduzir ao máximo os gastos. Mas, nessa disputa, nem um lado nem outro demonstraram até agora ter a sabedoria e a responsabilidade necessárias para separar a questão eleitoral dos reais interesses do País.

A não aprovação do orçamento a tempo era fato corriqueiro na década passada. Muitas vezes o governo iniciava um exercício fiscal sem ter a peça aprovada. Mas, desde 2000, quando o orçamento só foi aprovado no mês de maio, isso não acontecia.

No ano passado, temendo os efeitos do escândalo do mensalão, o governo procurou agir com precaução. Na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006 incluiu o dispositivo segundo o qual, em caso de atraso da votação do orçamento, poderia utilizar, a cada mês, 1/12 avos do orçamento de 2005 para despesas de custeio. Na execução do orçamento do ano passado, inscreveu como "restos a pagar" em 2006 um total de R$ 18 bilhões. É graças a esse artifício que consegue executar, por exemplo, a operação tapa-buracos na malha rodoviária federal.

É o que está evitando a completa paralisia do governo. Mas essa não é, seguramente, a melhor maneira de administrar. Com tais limitações, não é possível gastar com racionalidade e de acordo com planos ou programas que dêem maior eficiência à ação governamental. Em um governo como o atual, em que faltam projetos consistentes e gestores competentes, o resultado final dessa prática é ainda pior para o País.

A autorização para o uso mensal de um duodécimo do orçamento do ano anterior vale para as despesas de custeio da administração direta. Não se aplica ao orçamento de investimento das empresas estatais, que precisa ser aprovado pelo Congresso junto com o orçamento da União. A previsão é de que as estatais investirão R$ 41,7 bilhões este ano, mas o dinheiro só pode ser aplicado após aprovado o orçamento - por isso, o governo agora tenta obter, por meio de projeto de lei, autorização especial do Congresso para elas investirem.

Obras programadas pelo governo federal, como a Ferrovia Norte-Sul, a melhoria da BR-101 e a modernização dos portos, também poderão ser afetadas pelo atraso na aprovação do orçamento

Não é razoável que o Congresso retarde tanto uma decisão tão importante. Pode ser que isso prejudique o governo, como querem alguns oposicionistas. Mas o grande perdedor é o País.