Título: Solenidade no Planalto teve clima de velório
Autor: Leonencio Nossa e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Nacional, p. A4

A última passagem do ex-ministro Antonio Palocci pelo Palácio do Planalto, para transmitir o cargo ao novo titular da Fazenda, Guido Mantega, teve ares de homenagem póstuma. A cerimônia foi rápida e de tímidos aplausos.

Nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguia disfarçar o mau humor diante da situação e do enfadonho discurso de despedida do ex-ministro da Fazenda. Em menos de um ano, o presidente perdeu os dois principais sustentáculos de seu governo: Palocci na área econômica e José Dirceu na coordenação política.

Enquanto Dirceu se despediu do governo - em meados do ano passado, bombardeado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) - com um discurso emotivo, prometendo "deixar o Planalto para lutar na Planície", o ponderado Palocci disse que saía do governo sem levar mágoas. Mal disfarçava o constrangimento.

O desconforto no PT é tão grande que nem os mais fervorosos críticos da ortodoxia da política econômica arriscavam ontem mostrar os dentes, mesmo que fosse para festejar a saída do ex-ministro.

Novamente, para afastar os temores do mercado, a palavra de ordem no governo é prometer austeridade e continuidade nos rumos traçados pelo ex-ministro e sua equipe. Ninguém acredita que, com apenas nove meses de governo, às vésperas das eleições, seja possível promover algo diferente na política econômica.

PARENTES

"O Palocci não saiu por problemas na política econômica, mas pelas circunstância que envolveram a quebra do sigilo bancário de um cidadão", reforçou o líder do governo Lula no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).

Os principais assessores de Palocci no Ministério da Fazenda estiveram presentes na cerimônia, do ex-secretário-executivo Murilo Portugal, ao secretário da Receita, Jorge Rachid, que ficou na função.

Quatro assentos foram reservados para os familiares do ministro, na primeira fila da platéia, mas apenas o irmão Ademar Palocci compareceu. A mulher e a filha do ministro estavam em Brasília, mas preferiram permanecer em casa.

Quando o ex-ministro retornou à residência oficial, no final do dia, as duas saíram sozinhas de carro, deixando Palocci recolhido.

A maioria dos ministros decidiu fazer silêncio sobre a queda de Palocci. Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional, foi um dos poucos a falar. Admitir que ficou decepcionado com as revelações da participação de Palocci na abertura e vazamento dos dados bancários do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

"Vou ter que pedir desculpa para muita gente pela defesa que fiz sobre algumas pessoas", ressaltou Ciro, em tom de constrangimento, ao explicar a defesa que ele e alguns colegas fizeram do ex-ministro da Fazenda.

Durante a solenidade, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não quis comentar a investigação contra o ex-colega. Um jornalista chegou a pedir a opinião dele como advogado criminalista, mas o ministro desconversou.

"Aí terei que dar uma consulta", brincou Bastos. "E, como ministro, não posso cobrar."