Título: Episódio que levou à demissão serviu de lição a Palocci, diz Lula
Autor: Leonencio Nossa e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Nacional, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou ontem o discurso de transmissão de cargo de ministro da Fazenda a Guido Mantega para dizer que o episódio que levou à saída de Antonio Palocci do governo serviu de lição para o ex-ministro. "Meu querido companheiro Palocci, a vida nossa é marcada por momentos extraordinários, de acúmulo de prazeres e alegrias, dissabores e acusações, às vezes leviandades e acusações que temos de humildemente provar que não são verdadeiras", afirmou Lula. "Mas penso que tudo isso significa, para um jovem como você, apenas mais uma lição, um aprendizado, que certamente encaixou na sua consciência."

O ex-ministro deve voltar hoje a Ribeirão Preto, ainda sem saber o que fazer de seu futuro político, mas já na mira do Ministério Público, que o aguarda com 25 inquéritos abertos para investigar sua conduta no período em que foi prefeito da cidade. Palocci perdeu o cargo duas semanas após o caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, ter revelado em entrevista ao Estado que ele freqüentava a casa alugada em Brasília por ex-assessores da prefeitura de Ribeirão Preto, na qual era feita partilha de dinheiro e festas com garotas de programa. Dois dias após a publicação da entrevista, Nildo teve o sigilo bancário violado na Caixa Econômica Federal, ligada ao Ministério da Fazenda. Por conta desse episódio, o ex-ministro também será investigado pela Polícia Federal.

PROJETO

Em seu discurso, o ex-ministro agradeceu a Lula por lhe ter confiado a tarefa "mais difícil e mais honrada" de sua vida pública. Afirmou que não se arrependeu de ter dedicado de 25 anos de vida pública ao projeto de Lula e disse que sai sem "levar mágoa nem ódio no coração".

Lula elogiou a "fineza política" de Palocci, atribuindo ao antigo colaborador parte da conquista de ultrapassar a barreira dos 30% do eleitorado na campanha de 2002 e da confiança do mercado internacional, ressaltando, no entanto, que não confunde relação política com amizade.

Num discurso de improviso, Lula lembrou a trajetória do "menino trotskista", que foi vereador, deputado estadual, deputado federal e prefeito duas vezes de Ribeirão Preto. "O que é importante é dizer exatamente no momento da tua saída que, certamente, entregaremos ao povo brasileiro um Brasil infinitamente melhor do que aquele que nós recebemos."

O presidente avaliou que o ex-ministro sabe quais os passos que dará daqui para frente. Lembrou ainda a estranheza do mercado quando escolheu um médico para chefiar a economia e as tensões vividas na véspera da eleição de 2002 e na montagem do governo. "Para muitos, Palocci estava fadado ao fracasso", disse.

IRMÃOS

Na solenidade, a relação fraternal entre ambos ficou explícita no longo abraço com tapinhas. "Se é verdade que nem todo irmão é um grande companheiro, é verdade que um bom companheiro é um grande irmão", disse. "Por isso posso te dizer, Palocci, independentemente deste momento que vivemos, nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que de irmão."

O presidente afirmou que, "possivelmente", Palocci não foi o melhor ministro do Brasil. "Me surpreendi quando um senador, até então muito crítico seu, dizia: 'O Palocci é o maior ministro da Fazenda da história do Brasil'. Nem tanto. Mas, de qualquer forma, para quem é achincalhado num dia, no outro receber elogio é gratificante."

Lula chegou a brincar: "A partir de hoje, quem quiser falar mal da economia, por favor, não fale mais mal do Palocci, fale do Guido Mantega". A platéia de ministros, assessores, economistas e empresários riu quando Lula disse que é difícil apontar nos dedos pelo menos dez amigos. "Quero ver quem consegue colocar nos dedos da mão dez verdadeiros companheiros", disse. "Eu só tenho nove (dedos), a minha está com a valorização do dedo aqui."