Título: Palocci diz não ter 'ódio nem mágoa no coração'
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Nacional, p. A6

O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci destilou ontem toda sua amargura durante discurso na solenidade em que transmitiu o cargo a seu sucessor, Guido Mantega, diante de um auditório repleto, no Palácio do Planalto. Alguns nem esperavam sua presença, tamanho o constrangimento a que seria submetido.

Mas o ex-ministro compareceu e aproveitou a oportunidade para negar que tenha participado das irregularidades de que está sendo acusado, para se dizer ingênuo e para queixar-se dos que, mesmo sendo próximos, não acreditam nele. Mas reconheceu que "certamente" cometeu erros. Mais tarde, a amigos, disse estar aliviado.

Apesar de na prática ter sido demitido do cargo, no discurso, Palocci insistiu em que "solicitou o afastamento definitivo do Ministério da Fazenda" por considerar que era a melhor maneira de contribuir com o País e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diante de "um quadro conflituoso e tenso". "Na vida pública, há momentos de afirmar e momentos de recuar e temos de ter tranqüilidade de identificar esses momentos", disse.

O ex-ministro assinalou que, nos últimos meses de sua gestão, enfrentou "o círculo infernal das suspeições e dos prejulgamentos". Citando o poeta italiano Dante Alighieri, comentou que talvez a tentação fosse a de dizer, agora, "deixa que as pessoas falem e segue o teu caminho". Segundo ele, o verso serve para o sentimento que nutre, de "não levar mágoa nem ódio no coração".

O tom de sua fala, contudo, era indignado. "Jamais patrocinei, nestes três anos, malfeitorias com os recursos públicos, nem atentei, de nenhuma forma, contra a democracia e as instituições de meu país", desabafou ele, em passagens de visível emoção pessoal.

BALANÇO

Depois de fazer um balanço positivo da sua atuação à frente do Ministério da Fazenda, disse que deixa a pasta com um País "muito melhor do que há três anos" e sai do cargo "com a consciência tranqüila e a certeza de um dever honesta e corretamente cumprido em benefício do País".

O ex-ministro atribuiu os ataques "à tradição das oposições ferozes". "Nossas instituições políticas estão cravadas de rancores e isso tem criado grandes dificuldades para o avanço institucional do País", queixou-se. Num momento de resignação, afirmou: "Talvez eu tenha falhado nesta minha crença da convivência pacífica. Talvez ela seja ingênua, mas minha fé no Brasil e nas pessoas continua inabalável."

Ele disse que a tarefa de ministro da Fazenda foi "a mais difícil e a mais honrada" que recebeu. E afirmou que não se arrependeu de ter dedicado 25 anos de vida pública ao projeto petista que acabou elegendo Lula. Palocci encerrou seu discurso desejando sucesso a Guido Mantega.

"Não torcerei para ele fazer o mesmo que fiz. Tenho certeza de que fará mais e melhor", afirmou. E desejou sucesso também ao presidente Lula, que, segundo ele, "sabe que o caminho das conquistas não é feito de atalhos fáceis, ou de fórmulas mágicas, mas de tempo, de paciência e de perseverança" .