Título: As apostas da MP nº 281
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Economia & Negócios, p. B2

Com a publicação da Medida Provisória (MP) nº 281, o governo fez duas apostas importantes relativas aos juros e ao câmbio.

A desoneração fiscal prevista na MP acarretará uma perda de receitas para o Tesouro. A dúvida é se essa perda será compensada por outros fatores. O governo considera que sim, prevendo uma redução da taxa de juros interna.

E como a isenção do Imposto de Renda para os títulos públicos comprados por investidores estrangeiros pode se traduzir em redução sensível do custo do dinheiro, especialmente se esse custo depende de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) ao fixar a Selic? É preciso lembrar, de início, que até agora o maior impacto sobre as finanças públicas tem sido o do pagamento de juros sobre a dívida interna. Com a MP que acaba de ser baixada (admitindo-se que seja aprovada pelo Congresso), presume-se que os investidores estrangeiros aumentarão de modo significativo suas compras de títulos da dívida brasileira. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, calcula em US$ 4 bilhões os ingressos adicionais com esse objetivo, mas há quem estime que os estrangeiros poderão, rapidamente, comprar 10% da dívida mobiliária, o equivalente a R$ 100 bilhões.

De qualquer maneira, pode-se contar com um forte aumento da demanda por títulos públicos, que dará ao Tesouro condições de reduzir os juros pagos e de alongar os prazos desses papéis. Com isso, o serviço da dívida passará a pesar menos e o Copom poderá estar mais propenso a reduzir a Selic, enquanto os bancos poderão reduzir os juros efetivamente praticados. Haverá, em decorrência, uma dupla vantagem: menor déficit nominal do setor público e menor custo do dinheiro para as empresas. Caberá ao Copom avaliar criteriosamente os efeitos da MP, reduzindo a Selic. Se isso acontecer, o governo será largamente compensado da perda inicial de receita.

A outra aposta, na área cambial, pode não ser favorável: com uma forte entrada de recursos externos, o dólar poderá cair para R$ 2,00 ou menos, inibindo mais as exportações.

Aparentemente, não há muito a fazer, nesse quadro, para conter a valorização do real ante a moeda norte-americana. Mas o Banco Central poderá apressar a recompra da dívida externa além dos US$ 20 bilhões previstos neste ano e as autoridades poderão providenciar uma reforma cambial que resulte em maiores importações e maior demanda de divisas.

É preciso que essa reforma seja feita - ainda que com prudência - para atenuar os efeitos do aumento da entrada de recursos externos. As apostas do governo nos efeitos da MP são importantes, mas cabe a ele tomar as medidas adequadas para que eles se concretizem.