Título: Hamas chega hoje ao Parlamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Internacional, p. A28

Legislativo com maioria do grupo islâmico toma posse, sob ameaça de represália dos EUA, UE e Israel

REUTERS, AP, EFE E AFP GAZA

O novo Parlamento palestino, dominado pelo grupo islâmico Hamas, toma posse hoje em cerimônias simultâneas na cidade de Gaza e em Ramallah, na Cisjordânia. Como represália pela vitória do Hamas nas eleições de 25 de janeiro, Israel proibiu a viagem dos deputados eleitos de Gaza para a sede do Parlamento, em Ramallah. Por isso, haverá dois eventos acompanhados por videoconferência.

É a primeira vez que membros do Hamas, grupo que luta pela destruição de Israel, estarão representados no Parlamento. Já na estréia, terão maioria, uma vez que conquistaram 74 das 132 cadeiras. Em resposta, o governo israelense se reúne amanhã para aprovar medidas punitivas à Autoridade Palestina (AP), o órgão que administra os territórios autônomos palestinos. (ler ao lado). Como o Hamas venceu a eleição, o presidente da AP, Mahmud Abbas, deverá convidar hoje formalmente esse grupo para formar o novo governo, que cuida dos assuntos internos. Abbas é encarregado da política externa e da segurança.

Há grande expectativa quanto à reação israelense, à composição do futuro gabinete palestino e à posição de Abbas, que pertence à facção Fatah, que domina o governo desde 1995 e foi a grande derrotada pelo Hamas.

Na quinta-feira, líderes do Hamas disseram que o grupo decidiu indicar como primeiro-ministro o chefe da lista de candidatos na eleição, Ismail Haniye, por ser um político moderado. As negociações para a formação do gabinete podem levar até seis semanas (tempo-limite fixado por lei), já que o Hamas pretende incorporar membros de outras facções no governo.

"O presidente Abbas vai pedir ao Hamas que aceite seu programa político e ponha em prática os compromissos internacionais e de paz da Autoridade Palestina", disse um assessor de Abbas, que não quis identificar-se. "Se o Hamas optar por formar um governo com um programa político diferente, teremos uma crise constitucional."

A criação da AP é resultado dos acordos de paz de Oslo, nos quais a Organização de Libertação da Palestina (OLP) - dominada pela Fatah - aceitou a existência de Israel e se comprometeu com o fim da luta armada. No entanto, o Hamas não integra a OLP e nunca aceitou Oslo. Seu objetivo é criar um Estado islâmico no território hoje ocupado por Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza.

Depois de sua vitória, o Hamas vem sendo pressionado pela ONU, União Européia (UE), EUA e Israel a reconhecer a existência do Estado judeu e renunciar à violência. Os EUA e a UE ameaçam cortar a ajuda anual de US$ 1,6 bilhão à AP depois da posse do governo do Hamas, o que levou o grupo a procurar outras fontes de financiamento, nos países árabes e no Irã. Ontem, a AP acatou o pedido dos EUA de devolução de um pacote de ajuda de US$ 50 milhões depositada em bancos e que seria destinado a obras de infra-estrutura.

Abbas tem pressionado o Hamas a aceitar Oslo. Além disso, um assessor dele disse que a legislação lhe dá poderes para recusar-se a aprovar o novo gabinete ou não cooperar com seus membros se as políticas do Hamas forem inaceitáveis por sua facção, a Fatah.

"Nosso maior problema será a Fatah", disse ontem um dirigente do Hamas. "Tememos que busquem o fracasso do nosso governo, promovendo o caos e violência. Dezenas de milhares de empregados do governo poderiam criar problemas, recusando-se a cooperar." A maioria dos funcionários públicos e membros das forças de segurança palestinas é simpatizante ou militante da Fatah.