Título: Para perito, ' mundo deve dar um basta a Guantánamo'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Internacional, p. A24

Segundo Leandro Despouy, além do bem-estar dos presos está em jogo tudo o que a ONU fez em 50 anos

"Chegou a hora de o mundo dizer basta à forma como o governo americano está tratando seus prisioneiros." Essa é a mensagem de Leandro Despouy, relator da ONU e um dos cinco peritos que elaboraram o documento pedindo o fechamento da base naval de Guantánamo. O relatório das Nações Unidas sobre a situação na base em território cubano acabou sendo divulgado na mesma semana que fotos de abusos contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib, a oeste de Bagdá. Para Despouy, a publicação do relatório e das fotos no mesmo momento não passa de coincidência. Mas o que não é coincidência é o fato de os abusos estarem sendo identificados em diferentes locais do mundo. "O que estamos vendo é um comportamento preocupante", afirmou.

Em entrevista ao Estado, Despouy revela que a luta da ONU e dos peritos é para que os avanços feitos nos últimos 50 anos em defesa dos direitos humanos não sejam perdidos diante do comportamento do governo americano na luta contra o terrorismo. "Nossa luta vai muito além de querer saber exatamente o que ocorre com os presos. O que está em jogo não é apenas o bem estar desses prisioneiros. Estamos, no fundo, lutando para que tudo que foi conquistado desde a criação da ONU simplesmente não seja perdido", afirmou o perito.

Para Despouy, está na hora de os detentos em Guantánamo serem libertados ou julgados. "Se os detentos são considerados prisioneiros de guerra, o direito humanitário precisa ser respeitado. Até na guerra há regras e garantias. Mas o que vemos é que, em muitas prisões, os direitos mais básicos estão sendo violados", disse.

O perito, porém, não foi o primeiro a falar sobre isso. Há três anos, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello fez a mesma avaliação sobre o assunto e pediu que os prisioneiros fossem julgados ou libertados. Morto no Iraque, Vieira de Mello chegou a tratar do assunto diretamente com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.

Mas os peritos nem sequer conseguiram entrar na base naval. A ONU e o governo americano não chegaram a um entendimento sobre os critérios de visitas a prisioneiros. Os peritos queriam ter autorização para entrevistá-los sem a presença de um representante da Casa Branca. Já Washington rejeitou essa possibilidade. A ONU, então, optou por não ir a Guantánamo.

Despouy revela que, apesar dos problemas de acesso, continuará a solicitar ao governo dos EUA a autorização para que os peritos da ONU visitem as prisões no Iraque e Afeganistão. "Vamos continuar tentando. Temos um mandato dado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU para avaliar a situação e o faremos até que esse mandato seja revisto", explicou o perito, que é argentino.

Segundo ele, o fato de esses combatentes - seja no Iraque ou Guantánamo - serem considerados terroristas, não significa que seus direitos possam ser retirados.

"Isso me faz lembrar dos anos das ditaduras militares na América Latina. Naqueles anos, governos diziam que a guerra era contra grupos subversivos e, portanto, todos os direitos deveriam ser suspensos. E o que vimos é que a região virou uma terra de ninguém. Isso não pode se repetir", completou o perito da ONU.