Título: 'Sou contra o nepotismo', diz o ministro Marco Aurélio
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Nacional, p. A10

Único a votar contra resolução do CNJ, integrante do STF afirma que sua opinião foi alvo de distorções

Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal FederalEntrevistaMarco Aurélio Mello, único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que votou contra a resolução do Conselho Nacional de Justiça, reagiu ontem às acusações de que seria a favor do nepotismo. "Sou categoricamente contra o nepotismo porque ele não se coaduna com o Artigo 37 da Constituição", afirmou o ministro, referindo-se ao trecho da Carta que impõe os princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública.

Ele acentuou que foi o primeiro ministro da mais alta corte do País a pregar o fim do regime dos apadrinhados, em 1997, quando votou pela concessão de liminar em ação contra emenda à Constituição do Rio Grande do Sul que previa contratações para cargos em comissão. "Foi a primeira palavra com tintas fortes, de forma até cáustica, contra o nepotismo. Puxei a votação e isso me valeu à época uma inimizade e a suspensão de uma condecoração pelo Judiciário eleitoral", lembra.

Marco Aurélio diz que seu voto foi alvo de distorções.

O sr. votou contra a resolução porque é a favor do nepotismo?

Isso é absurdo. Sou contra o nepotismo, porque ele não combina com os princípios que regem a administração pública em suas três esferas, não apenas no Judiciário, como no Executivo e no Legislativo. Não se coaduna até mesmo com a eficiência no funcionalismo público, porque quase sempre se revela uma proteção abominável e a prestação de serviços deixa a desejar. No nepotismo prevalece o tradicional QI, o "quem indica", onde se busca algo incompatível com o interesse público. O concurso público é o caminho correto. Quem tem valor persegue e alcança o cargo por esse meio.

Por que o sr. é contra a resolução do CNJ?

Não posso reconhecer o poder normativo do conselho porque a Emenda 45 (reforma do Judiciário, que criou o CNJ) não prevê esse poder. Prevê outras atribuições, de caráter administrativo. Sendo assim, o conselho não pode editar resoluções com força de lei. Senão daqui a pouco não vamos mais precisar do Congresso. Já basta o Executivo com as medidas provisórias. O Supremo é a última trincheira do cidadão que busca preservação de princípios. Ao CNJ compete apenas administrar, assim como ao Conselho Nacional do Ministério Público. Ao Legislativo compete legislar, aos conselhos compete administrar e conduzir a administração do MP e do Judiciário.

O STF está dividido?

Não há divisão no STF. Minha forma de atuar todos conhecem, é com a maior transparência possível. O combate ao nepotismo deve se estender aos demais Poderes. O momento é alvissareiro para uma mudança cultural, a coisa pública é coisa pública e não de uns poucos.