Título: Os idos de março
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Nacional, p. A6

Se é verdade o que se diz no alto tucanato e a decisão sobre a candidatura presidencial depende mesmo de manifestação pública e explícita do prefeito José Serra, então o calendário original está mantido para a última semana de março.

Se é fato que quem manda no PSDB é a cúpula e as chamadas bases são quase uma abstração conceitual, o partido usará todo o tempo de que dispõe.

Como ambas as situações correspondem à realidade, as versões sobre a antecipação da decisão para logo depois de o carnaval passar são, de um lado, fruto da aflição da tropa e, de outro, produto de uma ação tática do comando para conter a agonia das cobranças.

Pode, sim, haver uma mudança de procedimentos, pois a calmaria e discrição pretendidas inicialmente já foram atropeladas pelos fatos. Ficou patente que Lula lutará, e muito.

Diante disso, os tucanos deixarão de lado o comportamento "blasé" para também assumirem uma posição de combate, sendo de agora em diante mais explícitos em relação a suas preferências e ao processo de decisão propriamente dito. Isso não significa, porém, adiantar a data da solenidade oficial, até porque não está marcada.

O prefeito de São Paulo e, salvo alterações fundamentadas nas pesquisas, o preferido, é contra a antecipação principalmente porque a considera inútil. Na opinião dele, a oposição não tem o poder de influir na agenda do presidente Luiz Inácio da Silva, que continuará valendo-se de publicidade oficial e andando pelo País com ampla e inevitável cobertura de imprensa.

No início de 1998, o PT conseguiu que Fernando Henrique, então começando sua campanha à reeleição pelo mesmo método utilizado agora por Lula, fosse obrigado pela Justiça a reduzir o uso da propaganda institucional.

Como o PSDB não faz a mesma contestação - provavelmente porque também não queira ver contestadas as ações de seus pré-candidatos como prefeito e governador enquanto podem, até 30 de março -, quase nenhuma serventia teria o anúncio do candidato duas ou três semanas antes do previsto. O único efeito seria o de submeter o escolhido às restrições legais que Lula evita ao deixar para assumir a candidatura só no prazo legal, em junho.

Para mexer nos índices de popularidade de Lula a mudança do roteiro tucano não teria utilidade, mas a utilização de todo o prazo disponível pode ser essencial para a organização do ritual de largada, cuja eficácia está sendo considerada fundamental dentro da lógica de que a primeira impressão não determina o resultado, mas é a que fica e pode atrapalhar se malfeita.

Neste mês (descontado o carnaval dá até menos) até a oficialização da candidatura serão pesadas e medidas as quatro rodadas de pesquisas qualitativas e quantitativas encomendadas para balizar a decisão, avaliar o impacto da saída de Serra da Prefeitura, identificar brechas de acesso ao eleitorado mais pobre e menos instruído, acompanhar os movimentos de prós e contras dos dois postulantes junto ao eleitorado e adquirir segurança quanto ao melhor nome para "segurar" a polarização com Lula do início ao fim da campanha.

Antecipar a data significa jogar dinheiro e trabalho fora. Para quê, então, teriam sido contratadas as consultas detalhadas, se não fosse para usá-las e depender só das pesquisas de rotina?

Além disso, há a administração dos ânimos do preterido, cuja participação na campanha com empenho genuíno é tida como indispensável. Isso demanda tempo e se o PSDB não tivesse dois candidatos dependentes dos prazos de saída dos cargos que agora ocupam trabalharia também com a data final de junho.

O partido não pensou nisso quando elaborou à sua imagem e semelhança a emenda da reeleição, não previu a necessidade de desincompatibilização do concorrente ao mesmo cargo e agora fica em desvantagem em relação ao adversário.

Paciência, está feito. Mais uma razão para não querer ampliar a inferioridade neste aspecto, dispensando 20 dias para a organização do ato inaugural.