Título: OMC apóia transgênicos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Um painel de três membros da Organização Mundial de Comércio (OMC) decidiu acatar há dias, em caráter preliminar, uma queixa apresentada em 2003 pelos Estados Unidos, com o apoio do Canadá e da Argentina, contra a União Européia (UE) e, em especial, contra seis de seus membros (Alemanha, Áustria, França, Grécia, Itália e Luxemburgo). Estes, indo além da política de extrema cautela da própria UE, adotaram unilateralmente restrições draconianas à importação e ao cultivo de transgênicos. Por ser preliminar, o veredicto - contido em um cartapácio de mais de 800 páginas, o mais extenso texto do gênero na história da OMC - ainda é oficialmente confidencial. De todo modo, se dá como quase certo que, se a União Européia recorrer, o julgamento definitivo (e público) irá confirmá-lo. Os reclamantes são os maiores produtores mundiais de organismos geneticamente modificados (OGMs). Mais da metade da área plantada com transgênicos no mundo se concentra nos Estados Unidos.

A rigor, o pedido para que a OMC condenasse a União Européia e aqueles seis países por infringir as regras do comércio internacional não visava às restrições em si, mas elas servirem presumivelmente de pretexto a um boicote, para todos os efeitos práticos, das importações de grãos GM e alimentos industrializados que os contenham. Em 1998, dizem os americanos, a União Européia aprovou o que consideram uma moratória na liberação de OGMs. Os europeus retrucam que apenas aplicaram o princípio da precaução instituído em tratados internacionais. A representação à Organização Mundial do Comércio sustenta que a medida violou um tratado sobre comércio de alimentos segundo o qual as políticas seguidas por nações ou blocos de nações na matéria devem ter base científica e serem cumpridas sem "demora indevida". Os seis países europeus, por sua vez, foram citados como tendo proibido até culturas transgênicas já aprovadas pela Comissão Européia.

Autoridades americanas e as gigantes da biotecnologia comemoram a posição da OMC como um marco na sua campanha pela abertura do comércio global aos transgênicos. Mas as conseqüências imediatas da decisão ainda não estão claras. Primeiro, fontes da União Européia a julgam anacrônica e imaterial porque o ato que ela condena caducou em 2004 e desde então mais de 30 culturas GM foram autorizadas em diversos países europeus, "depois de rigorosas avaliações quanto à sua segurança". Isso não comove os Estados Unidos. Para Washington, persiste o problema do "estoque" teórico de gêneros não aprovados durante quase uma década, incluindo mais de 20 tipos de milho, soja e algodão transgênicos. A moratória teria causado um prejuízo anual de US$ 300 milhões aos exportadores americanos de milho.

Em segundo lugar, mesmo na implausível hipótese de que a Europa venha a escancarar os seus portos aos transgênicos do Novo Mundo, incluindo a soja brasileira, enquanto os consumidores europeus continuarem a sentir fobia pelos produtos GM, as grandes redes de supermercados pensarão duas vezes antes de importá-los, preferindo, assim como a sua clientela, pagar um ágio pelas variedades convencionais. Além disso, há quem especule desde já que a decisão da OMC poderá ter o efeito bumerangue de reforçar a aversão do público europeu aos transgênicos - não pelos seus supostos riscos para a saúde e o ambiente, mas por entenderem o veredicto como uma imposição da superpotência americana, uma tentativa de impor à outrance produtos indesejados pelo mercado. Os europeus parecem indiferentes ao fato de 8,5 milhões de agricultores de 21 países plantarem transgênicos e de incontáveis milhões de pessoas os consumirem sem problemas por anos a fio.

Agora, o setor biotecnológico americano pressiona o governo para ingressar com outra ação - desta vez contra as regras européias de rotulagem e rastreamento de ingredientes transgênicos em alimentos. Em um ponto apenas, defensores e detratores da agricultura biotecnológica estão de acordo: o precedente criado pelo julgamento da OMC deverá influir na liberalização das regras de comércio dos novos produtos pelo mundo afora, ao desencorajar outros países a erguer barreiras como as que motivaram o protesto acolhido pela OMC.