Título: O fim do nepotismo na Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2006, Notas e Informações, p. A3

Por 9 votos contra 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu a liminar pedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), obrigando todas as cortes do País a exonerarem imediatamente familiares de juízes e desembargadores nomeados sem concurso para cargos de confiança no Judiciário. A decisão também reconfirma a proibição de contratação de empresas de prestação de serviços que empregam parentes de juízes, que foi imposta pela resolução antinepotismo baixada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no dia 14 de novembro do ano passado.

Embora o caso ainda não tenha sido julgado no mérito, a simples concessão da liminar já sinalizou qual será a decisão final do Supremo. Além de ser um importante passo para moralizar o Poder Judiciário, a liminar tem o mérito de confirmar as prerrogativas do CNJ, o órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45 - a chamada reforma do Judiciário - para fiscalizar todas as instâncias e setores da Justiça e julgar desvios de conduta de juízes.

Embora a contratação de parentes de magistrados seja proibida pelo artigo 37 da Constituição, que consagra o princípio da moralidade administrativa e exige a realização de concurso de provas e títulos como regra para "a investidura em cargo ou emprego público", os tribunais superiores, os Tribunais Regionais Federais (TRFs), os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os Tribunais de Justiça (TJs) jamais cumpriram essa determinação. E, quando o CNJ baixou a resolução que se limita a reproduzir o dispositivo constitucional, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se recusou a acatá-lo, tendo sido acompanhado em sua rebeldia pelos tribunais de Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Piauí e Distrito Federal.

A pretexto de esperar pelo "pronunciamento do STF", eles ignoraram a ordem do CNJ. Em outros Tribunais de Justiça houve casos de exonerações já efetivadas que acabaram sendo revistas. Em quase todos os tribunais os desembargadores decidiram acintosamente em causa própria, acolhendo os recursos dos parentes por eles nomeados.

"Não se pode descambar permitindo a contratação de grande número de familiares, mas um ou dois seria razoável. Não vejo nada demais", afirma o desembargador do TJ do Ceará, José Maria de Melo, para quem a imediata exoneração de parentes contratados sem concurso é uma "discriminação". Outros desembargadores e ministros, deixando de lado a Constituição que juraram cumprir e que deveriam aplicar, passaram a acusar o STF e o CNJ de terem sucumbido às pressões da mídia e da opinião pública.

Argumentos como esse, evidentemente, não podem ser levados a sério, pois ferem a ética e a própria ordem jurídica. As estimativas da AMB e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com base em levantamentos realizados em vários Estados, eram de que 1,8 mil parentes de magistrados seriam atingidos pela resolução do CNJ.

No entanto, segundo o presidente da AMB, Rodrigo Collaço, como algumas cortes não enviaram informações e outras sonegaram dados confiáveis, é provável que esse número seja muito maior. Juiz estadual de primeiro grau, ele teve um desempenho decisivo neste episódio. Mesmo correndo o risco de ser preterido na ascensão da carreira judicial, pois desagradou aos desembargadores e as promoções por mérito são por eles decididas, Collaço mobilizou 14 mil juízes de todo o País em favor das medidas antinepotistas do CNJ. Além disso, foi ele quem teve a idéia de acabar com a enxurrada de liminares concedidas pelo TJ em benefício de seus próprios integrantes, impetrando uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) no STF. Concebido para confirmar a validade de uma lei federal, esse é um recurso judicial relativamente novo na história do País, tendo sido introduzido na Constituição somente em 1993. Até a iniciativa de Collaço, o STF só tinha julgado 11 ADCs.

A decisão dada pelo Supremo em caráter liminar à décima segunda ADC apreciada em sua história é um marco em nossa Justiça. Ao deixar claro que o CNJ pode baixar resoluções obrigando os tribunais a se submeterem à Constituição, ela confere legitimidade a esse órgão, consolida o controle externo sobre a magistratura, enquadra aqueles que vinham tentando desmoralizar o Conselho, questionando a legalidade de suas medidas moralizadoras, e abre caminho para que elas sejam estendidas aos demais Poderes.