Título: A Petrobrás, enfim, reage
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Demorou, mas o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, reagiu aos planos que o governo da Bolívia começa a desenhar para o setor de gás e petróleo e que são prejudiciais aos interesses brasileiros. As afinidades entre os presidentes Evo Morales e Luiz Inácio Lula da Silva, como já se começa a verificar, limitam-se às origens sociais e ao populismo que ambos praticam no governo. O fraterno relacionamento que anunciavam há meses está dando lugar à comprovação da antiga máxima: os países não têm amizades, têm interesses. Disso só não se convence o presidente Lula, apesar das duras lições que já lhe foram aplicadas pelo coronel Hugo Chávez, que ocupou o lugar de liderança regional reivindicado por ele; pela China, que na qualidade de "parceira estratégica" foi reconhecida como economia de mercado e nem por isso deixou de contrariar os interesses comerciais do Brasil; pelos países africanos, que receberam tratamento especial e, no entanto, comprometeram as aspirações do Itamaraty a um lugar permanente no Conselho de Segurança, etc.

Enquanto julgou conveniente, o presidente Evo Morales garantiu que o Brasil receberia tratamento preferencial e diferenciado no processo de renegociação de contratos de concessão das jazidas de gás e petróleo e de comercialização dos produtos. Na ocasião, éramos "hermanos y solidários".

Pois as coisas mudaram. Agora somos imperialistas, que sempre trataram a Bolívia como uma "semicolônia", e as negociações com a Petrobrás, quando forem reiniciadas, serão "duras", nelas podendo acontecer "as piores coisas que se pode imaginar". E quem antecipa o tom das negociações é ninguém menos que o ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz.

O Itamaraty viu nas declarações do ministro boliviano uma simples manobra para criar "um clima favorável" para as negociações com a Petrobrás. E deixou claro que o governo não estava preocupado com o processo de nacionalização dos recursos naturais da Bolívia. Demorou uma semana para que o presidente da Petrobrás desse uma resposta à altura ao ministro boliviano: os investimentos da empresa na Bolívia dependem do reinício das negociações e naquele país a Petrobrás é uma produtora de gás, não aceitando o papel de mera prestadora de serviços.

Há muito em jogo para o Brasil, na Bolívia. A Petrobrás já investiu lá o equivalente a US$ 1,5 bilhão e tem planos para novos e substanciais investimentos - suspensos quando foi aprovada a Lei de Hidrocarbonetos e se anunciou a intenção de desapropriar três refinarias da empresa. Mais importante é o fato de que, com o funcionamento do Gasoduto Bolívia-Brasil, o gás passou a ser parte essencial da matriz energética brasileira. Tão importante que se negociava a expansão do fornecimento, de 30 milhões de m3 por dia para 68 milhões de m3.

E será justamente por aí que começará a ofensiva boliviana. Segundo o ministro Andrés Soliz, "todos (os brasileiros e os argentinos) são maravilhosamente amigos, até mexermos nos bolsos deles e dizermos que têm de pagar mais". Pelo contrato em vigor até 2019, o Brasil recebe uma cota de gás por U$S 3,23 o milhão de BTU e a Argentina a US$ 3,18. Mas Soliz quer renegociar o contrato porque entende que a remuneração equivale à metade do valor cotado no mercado norte-americano. Se os preços não forem reajustados a contento, não será expandido o fornecimento. E Soliz ainda se permite ser jocoso: "Ah, o Brasil não necessita do gás boliviano, já tem o projeto da Venezuela, que vai vender a preço solidário de US$ 1."

O ministro Soliz sempre foi contrário ao fornecimento de gás para o Brasil. Consumada a construção do gasoduto, passou a defender a venda da menor quantidade possível do produto, como tática para forçar a instalação de indústrias na Bolívia. Agora, tem duplo objetivo: cobrar do Brasil um "prêmio" pelo valor ecológico do gás e participar dos lucros obtidos na comercialização do produto, o que reduziria a Petrobrás a prestadora de serviços.

Diante da instabilidade crônica da Bolívia e do surto nacional-populista do atual governo,restam, na defesa dos interesses brasileiros, dois caminhos: endurecer o relacionamento com La Paz e colocar em operação, o mais breve possível, as jazidas de gás descobertas na plataforma continental.