Título: Entrevista: 'Lucro dos bancos é moral, ético e justo'
Autor: Silvia Fregoni
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2006, Economia & Negócios, p. B4

Márcio Cypriano: Presidente do Bradesco e da Federação Brasileira dos Bancos

Cypriano defende o setor e diz que empresas como Petrobrás, Vale e Gerdau tiveram rentabilidade bem superior à dos bancos

Cley Scholz

O presidente do Bradesco e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Márcio Cypriano, diz que o lucro dos bancos "é moral, ético e justo". Segundo ele, os bons resultados são uma contribuição do setor ao desenvolvimento do País. Eis os principais partes da entrevista:

O que explica o expressivo lucro dos bancos do Bradesco, em particular em uma economia que quase não saiu do lugar em 2005?

Mantemos essa posição porque nunca deixamos de investir no próprio negócio. O lucro é dividido com os acionistas e o restante é investido no aumento da capacidade produtiva. O crescimento orgânico e por aquisições é permanente, assim como a tradição de prestadores de crédito. Em 2005, o lucro veio do crédito e do amadurecimento da segmentação iniciada em 1999. Além disso, absorvemos as aquisições e lançamos produtos e serviços, como consórcio, seguros populares e parcerias de crédito com redes de varejo.

Mas o que explica o lucro recorde dos bancos em um País que cresceu tão pouco?

A capacidade de geração de resultados positivos dos bancos é algo que merece destaque. Apesar de todas dificuldades que passamos, trabalhando numa economia que cresce modestamente, com desemprego alto e baixo nível de renda, conseguimos manter desempenho exemplar. Nossa contribuição principal ao desenvolvimento é gerar lucro, pagar impostos, criar empregos, viabilizar o investimento das empresas, proteger e rentabilizar a poupança das pessoas. E nesse ponto somos referência mundial de qualidade. Trata-se de um lucro moral, ético e justo. Mas os bancos não são únicos. Empresas como Petrobrás, Vale, Gerdau, Copesul, Souza Cruz e Ipiranga, só para dar alguns exemplos, tiveram rentabilidade bem superior à dos bancos em 2005. O melhor banco em termos de rentabilidade sobre o patrimônio não deve ficar entre os dez maiores se compararmos com empresas não financeiras. Banco tem de ter patrimônio grande para suportar suas operações. Costumo dizer que lucro é o progresso, é com ele que podemos pagar dividendos aos acionistas, impostos, salários e benefícios aos funcionários e realizar investimentos sociais.

Qual foi a estratégia para superar o lucro do Itaú, o mais lucrativo nos últimos anos?

O mercado bancário brasileiro é um dos mais competitivos do mundo. Os bancos estrangeiros que chegaram ajudaram a estimular e concorrência, o que foi positivo. Nós, bancos nacionais, buscamos modernização, qualidade de atendimento e eficiência. O resultado foi que conseguimos aumentar lucros. Do ponto de vista do Bradesco, o Itaú é um grande competidor que contribui para valorizar nosso esforço. Mas sempre confiamos na estabilidade e na geração de resultados pelo aumento dos negócios bancários com os clientes e financiamento à produção e empréstimo às pessoas. É uma diferença sutil, mas importante. A concorrência é saudável. Conseguimos, fruto dessa concorrência, estabelecer um perfil diferenciado na América Latina. Temos bancos nacionais fortes, bancos estatais fortes e bancos estrangeiros fortes. Ganham clientes e acionistas.

Qual será a estratégia do Bradesco para continuar na liderança?

A liderança baseia-se na eficiência das estratégias já adotadas. Isso quer dizer que elas devem ser ampliadas e aperfeiçoadas para acompanhar a evolução do mercado. Não podemos parar e temos de buscar novas respostas para as mesmas situações.

A perspectiva de queda dos juros pode começar a mudar o quadro e reduzir os ganhos dos bancos?

Ao contrário, a queda dos juros vai reforçar nossa lucratividade. Ela é uma necessidade, pois estabelecerá um ritmo de crescimento mais forte e permitirá que bancos expandam seus negócios nas áreas de crédito e financiamentos.

Quando o Brasil vai perder o título de recordista mundial de juros?

O juro foi uma ferramenta valiosa para as circunstâncias da estabilização. Mas estamos nos distanciando dessa situação. O processo de queda dos juros começou no final de 2005. É uma tendência firme.

Em ano de eleições, o sr. vê risco de instabilidade na economia e retrocesso na política de redução dos juros?

Não. O Brasil já está suficientemente desenvolvido para não tolerar descontroles econômicos criados por campanhas políticas. A estabilidade é vista pela sociedade como uma conquista. Os pilares econômicos como a livre flutuação cambial e a política de metas de inflação devem ser defendidos, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A grande expansão do crédito consignado não aumenta o risco de inadimplência?

Pode ser, mas temos controles para manter as carteiras saudáveis. No seu aspecto social, foi importante para propiciar recursos de menor custo para a população de baixa renda.