Título: Congresso aprova novo Estatuto da Catalunha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2006, Internacional, p. A14

O Congresso ¿ câmara baixa do Parlamento espanhol ¿ aprovou ontem o novo Estatuto da Catalunha, próspero território localizado no nordeste da Espanha e responsável por 20% do PIB. O documento dá mais autonomia à região ao reconhecer o sentimento de nação dos catalães e ao ampliar sua competência fiscal. O estatuto, que também obriga todos os funcionários públicos do território a falar catalão, será submetido agora ao Senado.

Desde que começou a ser redigido em fins de 2003, esse projeto vem sendo marcado por grande polêmica por duas razões. Primeiro porque define a Catalunha como nação (território com língua, cultura e tradições próprias). Segundo porque promove mudanças no regime fiscal que permitirão à região diminuir o total repassado ao governo central. Em vez de reter 33% das receitas, a Catalunha ficará com 50% do que arrecada. Temerosos com a perspectiva de verem as verbas secarem, governos de regiões mais pobres da Espanha, como a Extremadura, estão preocupados. Esse ponto faz com que a questão catalã seja diferente das de Quebec, no Canadá, e Escócia, na Grã-Bretanha. Historicamente, essas duas regiões demandaram mais autonomia, mas ambas dependem de ajuda financeira do poder central.

Para a oposição conservadora, liderada pelo Partido Popular, esse estatuto marca o princípio do fim do Estado espanhol ao incluir a palavra ¿nação¿ . O texto aprovado pelo Congresso assinala em seu preâmbulo a decisão polêmica adotada em 2005 pelo Parlamento catalão que define a Catalunha como nação. Essa definição ainda poderá ser modificada pelo Senado. O novo estatuto reafirma que o governo catalão vai fundamentar-se na Constituição espanhola e nos direitos históricos do povo catalão. Sustenta também que ¿a realidade nacional da Catalunha como nacionalidade¿ é constitucional.

Esse documento substituirá outro vigente desde 1979. Para entrar em vigor, vai precisar da aprovação, em referendo, dos 6,7 milhões de habitantes da Catalunha ¿ . O texto aprovado ontem pelo Congresso modifica sensivelmente o ratificado em 2005 pelo Parlamento catalão, cujo primeiro artigo insistia categoricamente: ¿A Catalunha é uma nação¿. E, em seguida, afirmava o ¿direito dos catalães de determinar livremente o seu futuro como povo¿.

A versão final ¿reconhecendo a realidade nacional da Catalunha como nacionalidade¿ foi aprovada por 189 votos a favor, 154 contra e 2 abstenções. Antes da votação houve acalorada discussão, uma síntese da intensa polêmica de um ano e meio provocada pela reivindicação catalã.

O primeiro-ministro socialista José Luiz Rodríguez Zapatero assistiu ao final dos debates, depois de entrevistar-se com o governador catalão, Pasqual Maragall, que chefiou uma delegação presente no plenário. Zapatero não discursou, mas, no fim da sessão, ressaltou que suas expectativas sobre a questão se haviam concretizado completamente. Os críticos dizem que ele o defendeu menos por convicção do que pelo apoio imprescindível dos partidos catalães no Parlamento ao seu governo.

A posição do Executivo espanhol foi defendida pela vice-primeira-ministra María Tereza Fernandez de la Vega. Ela disse que a reforma estatutária da Catalunha fortalece a Constituição espanhola e ¿não dá lugar para a conversa fiada de quebra do Estado ou a ruptura da Espanha¿. O líder da oposição conservadora, Mariano Rajoy, votou contra o novo estatuto. E justificou seu voto: ¿O que estamos presenciando neste momento é o princípio do fim do Estado, tal como o concebemos em 1978 (ano da aprovação da Constituição espanhola). Rajoy acrescentou: ¿Esse estatuto nos tornará ineficazes dentro de nossas fronteiras e mais irrelevantes fora delas.¿

O líder conservador acusou o Executivo de ¿brincar com fogo¿ e exigiu que se retire do texto toda expressão que insinue nação. ¿Se aceitarmos esse termo, vai ser um termômetro do que poderia acontecer no País Basco¿, ressaltou, para advertir: ¿Estão nos deixando nas mãos uma bomba relógio que poderá explodir amanhã ou depois de amanhã.¿

O novo estatuto causa mal-estar também em setores das Forças Armadas. Recentemente, um influente militar, o general José Mena Aguado, exortou seus comandados a defenderem a unidade do país, ameaçada pela reivindicação catalã. Ele pegou uma semana de prisão por isso.