Título: Atentado destrói templo dourado xiita e mais de 90 mesquitas são atacadas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2006, Internacional, p. A13

Explosão em santuário desencadeia onda de violência que ameaça mergulhar o Iraque numa guerra civil

SAMARA, IRAQUE

Insurgentes vestidos como policiais explodiram ontem de manhã duas bombas dentro de um dos locais mais sagrados dos muçulmanos xiitas do Iraque, o Santuário de Askariya, também conhecido como Mesquita Dourada, na cidade bíblica de Samara, ao norte de Bagdá. Ninguém ficou ferido, mas o domo dourado da mesquita e boa parte do edifício foram destruídos. Os danos a um símbolo do xiismo cau saram mais revolta do que os atentados quase diários que já mataram milhares de pessoas desde a invasão dos EUA, em 2003. Nesse clima sectário, é alto o risco de o Iraque mergulhar numa guerra civil.

Eram cerca de 7 horas quando os terroristas renderam os guardas e plantaram os explosivos no complexo. Nenhum grupo assumiu a autoria do atentado, embora as suspeitas recaiam nos insurgentes sunitas e na rede Al-Qaeda, que se empenha em desestabilizar o país.

Em represália, milhares de xiitas protestaram em Bagdá e outras cidades. Manifestantes e milícias atacaram mais de 90 mesquitas sunitas pelo país, incendiando 2 delas, e matando 19 pessoas, incluindo 3 clérigos. Houve também ataques ao Partido Islâmico Iraquiano (o maior dos sunitas) e confrontos entre milícias sunitas e xiitas em diversas cidades. Em várias ações, radicais usaram metralhadoras e granadas propelidas por foguetes. As Brigadas Mehdi, do clérigo xiita Muqtada al-Sadr, percorreram ruas de Bagdá empunhando fuzis Kalashnikov. Lojistas fecharam lojas e os moradores se recolheram a suas casas - muitos, depois de estocar alimentos.

À noite, em Basra, no sul do país, um grupo armado invadiu uma prisão e seqüestrou 12 sunitas, incluindo 7 estrangeiros, acusados de atos terroristas. Todos foram achados mortos.

Tentando acalmar os ânimos, o grão aiatolá Hashemi Ali al-Sistani - a mais influente autoridade religiosa xiita iraquiana - pediu que os fiéis se manifestassem pacificamente e proibiu ataques a mesquitas sunitas. Sistani, que raramente é visto em público, apareceu na TV iraquiana, num vídeo sobre uma reunião de líderes xiitas na cidade sagrada de Najaf.

O presidente do Iraque, Jalal Talabani, acusou os insurgentes de tentarem inviabilizar as negociações para a formação de um governo de coalizão nacional. "Temos de trabalhar em conjunto contra o perigo da guerra civil", declarou na TV.

O aiatolá Sistani indicou que as milícias de grupos religiosos xiitas poderão obter mais poderes, para proteger as mesquitas e santuários. Outro clérigo, Abdul-Aziz al-Hakim, líder do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica (CSRI), responsabilizou parcialmente o embaixador americano, Zalmay Khalilzad, pelo atentado, por ele pressionar o governo iraquiano para que desarme as milícias xiitas - vistas pelos sunitas como esquadrões da morte envolvidos em várias chacinas.

Esta semana, Khalilzad advertiu que os EUA não iriam mais apoiar instituições dirigidas por grupos ligados a milícias, como é o caso do CSRI, que integra o governo provisório. "Essas declarações deram luz verde para os terroristas", acusou al-Hakim.