Título: A educação ainda pode piorar
Autor: Carlos Henrique Araújo e Nildo Luzio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

Um breve exame de alguns números da educação brasileira mostra como ela está aquém do mínimo de qualidade. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) avalia a educação por meio de testes padronizados aplicados na quarta e oitava séries do ensino fundamental e na terceira série do ensino médio. A metodologia permite estimar o desempenho dos estudantes numa mesma escala e averiguar como anda o progresso ao longo dos 11 anos de escolaridade.

De acordo com os últimos resultados, apurados em 2003, a média da quarta série em leitura foi de 169 pontos, quando deveria ser, no mínimo, de 200 pontos. Na oitava série a média foi de 232, quando deveria ser de 300. Entre os alunos do terceiro ano do ensino médio, a média foi de 266 pontos, quando o mínimo seria de 350. Percebe-se, pois, que a distância para o mínimo satisfatório aumenta de 31 pontos na primeira série de avaliação para 68 na segunda, indo a 87 na última série do levantamento.

Em matemática, o quadro é similar. A média da quarta série (177) se distancia 23 pontos do mínimo de 200; a média da oitava (245) está 65 pontos aquém do necessário e, finalmente, o desempenho dos estudantes do terceiro ano do ensino médio, cuja média foi de 278 pontos, está 97 pontos abaixo do mínimo de 375.

Uma das principais conclusões que se podem extrair desses números é a de que uma escolarização sólida de nossas crianças, representada pela competência bem desenvolvida nas linguagens, depende de um percurso bem-feito ao longo de todo o processo. Os dados da avaliação evidenciam a sabedoria popular de que uma casa sólida se constrói com um bom alicerce. No caso brasileiro, o alicerce não é bom.

São constatações que levam a indagações sobre o futuro da educação no Brasil e, em particular, sobre a etapa do ensino fundamental, legalmente estipulada como obrigatória. Após a Constituição de 1988, houve uma progressiva municipalização das matrículas do ensino fundamental. Para fazer frente às necessidades de financiamento dessa etapa foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), cuja lógica era guiada por dois objetivos gerais: garantir mais recursos para o ensino obrigatório e minimizar as fortes desigualdades de recursos propiciadas pelas diferenças entre os entes federados.

Resultaram da criação do Fundef mais recursos para os municípios mais pobres do País e com baixa capacidade de financiamento, notadamente das Regiões Norte e Nordeste. Isso ocorreu apesar das fortes discordâncias sobre os critérios de fixação do valor mínimo e da complementação da União, que era a forma de o governo federal contribuir para minimizar as desigualdades.

Com a entrada em vigor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), em janeiro de 2007, algumas questões indefinidas ou definidas de forma diferente do Fundef vão trazer dúvidas sobre o futuro da educação no Brasil. Duas delas de crucial importância: a não-indicação do nível prioritário para o investimento e as indefinições com relação ao valor mínimo nacional, em particular sobre os critérios para estabelecê-lo.

Alguns exemplos sobre a situação do financiamento da educação no Brasil são ilustrativos das preocupações apontadas. A cidade de Garanhuns, terra natal do presidente Lula, investiu cerca de R$ 640 por aluno matriculado no ensino fundamental em 2004. Nesse mesmo ano, a cidade de São Paulo, a mais rica do Brasil, investiu, por aluno, R$ 1.466,93.

A questão que se impõe é: com a instalação do Fundeb, sem priorizar nenhum nível de ensino, prevendo cobertura desde a creche ao ensino médio, haverá manutenção de recursos suficientes para diminuir a distância dos indicadores de qualidade ante o mínimo necessário? É difícil produzir uma equalização total entre Garanhuns e São Paulo, mas, por outro lado, é fácil aumentar a diferença. Para isso basta aumentar a população a ser coberta pelo fundo sem elevação correspondente de recursos para que o gasto per capita seja dramaticamente reduzido.

Com relação ao mínimo, cabe discutir qual o conceito que deve orientar seu cálculo. É um mínimo necessário para garantir a qualidade da educação ou é um mínimo possível diante do número de pessoas de zero até 17 anos que potencialmente podem ingressar na escola? Se a opção for pela segunda alternativa, há problemas, pois se corre o risco de cair a qualidade de toda a educação. Se a opção for pela primeira, então é urgente definir um custo-qualidade e discutir como fazer para garanti-lo no âmbito do Fundeb, cobrando da União um esforço financeiro capaz de garantir que o ensino fundamental não sofra com a redução de recursos.

Alguns dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com melhor desempenho investem cerca de 20% do seu PIB per capita em cada aluno matriculado no período de um ano; a média brasileira é de 13%, mas com forte desigualdade. São Paulo vai além da média nacional, chegando a 15%, e Garanhuns, por exemplo, não chega a 8%.

Afinal de contas, de que vale investir num ensino médio com alunos egressos de redes fundamentais municipais fragilizadas e com pouca capacidade de financiamento? Ou de que vale a boa intenção de fazer tudo por todos se não há recursos suficientes e correndo o risco de piorar o que já está ruim? O ideal teria sido a concepção de pelo menos três fundos específicos para o financiamento da educação básica. Um para o ensino pré-escolar, incentivando os municípios a ampliar com qualidade suas redes, a manutenção do fundo para o ensino fundamental obrigatório e um somente para o ensino médio, permitindo a ampliação das redes estaduais e a melhoria da qualidade. Mas essa engenharia foi descartada por uma proposta confusa e holística, sem levar em conta as reais necessidades da educação nacional.