Título: Grão muda paisagem do Maranhão e do Piauí
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Economia & Negócios, p. B8,9

Nível salarial melhorou e relações trabalhistas também evoluíram

O maranhense Nildo Rocha de Araújo, 30 anos, diz que, antes de 2001, "era difícil pegar um dinheirinho, e tinha mês que eu só arranjava R$ 10". Morador do minúsculo povoado rural de Laranjeiras, no município de Chapadinha, ele trabalhava na roça até ser contratado como operador de máquinas pela fazenda de soja Palmeira, do grupo gaúcho SLC. Com um salário base de R$ 411, mas chegando a tirar R$ 600 nos melhores meses, Nildo botou a mão numa bolada de "mais de quatro contos" no final de 2004, quando a SLC fez uma distribuição de lucros equivalente a dez salários por funcionário.

"É bom demais um dinheiro desse", diz, acrescentando que investiu o dinheiro na sua casa. Hoje, Nildo destaca-se em Laranjeira por ser dono de uma das poucas casas de tijolos e telhas - a maior parte é de pau-a-pique, ou de tijolos de argila, e coberta com palha de buriti. Como não há eletricidade na região, ele tem televisão de bateria e geladeira a gás. O fraco de Nildo são as motos - hoje ele tem duas.

O desenvolvimento da soja e de outras atividade agrícolas sofisticadas no Maranhão e no Piauí, dois dos Estados mais pobres do Brasil, trouxe grandes oportunidades para uma parte da população carente que teve sorte ou habilidades suficientes para se integrar ao setor, que tem relações de trabalho formalizadas e salário médio razoavelmente acima do mínimo.

Hoje, o piso salarial para os trabalhadores rurais do Maranhão, fechado em acordo pelos patrões com o sindicato, é de R$ 350. Isto vale, naturalmente, para os funcionários das fazendas modernas, com uma abordagem empresarial da agricultura.

Na imensa maioria dos casos, as empresas e produtores que dominam a soja nos dois Estados nordestinos têm origens sulistas, geralmente no Rio Grande do Sul, mas também no Paraná, como o fazendeiro Oswaldo Massao Ishii, que bateu um recorde nacional de produtividade em soja em 2005. Da mesma forma, a maior parte dos cargos técnicos ou gerenciais é ocupada por gaúchos e paranaenses. Na base, porém, estão maranhenses como Nildo, freqüentemente com educação rudimentar ou mesmo analfabetos.

Nas fazendas do Maranhão e do Piauí, esta curiosa integração entre a cultura sulista e nordestina vem se desenvolvendo desde meados da década de 80, quando a soja foi introduzida na região. Há uma visão quase unânime entre os empresários de que falta mão-de-obra qualificada, e que ainda há farta oferta de emprego para profissionais de perfil técnico que se dirijam para os dois Estados.

"Quem tiver especialização não fica desempregado 24 horas por aqui", diz o empresário gaúcho José Antônio Gõrgen, o "Zezão", proprietário de três fazendas de soja no Maranhão e no Piauí.

Nem sempre a adaptação dos sulistas ao ambiente sociocultural do Nordeste é fácil. Quase todos afirmam que os nordestinos são trabalhadores e amistosos, mas há muitas queixas quanto à qualidade dos serviços e ao funcionamento geral das coisas.

"A minha qualidade de vida aqui é muito precária", queixa-se Anthony Bulati, 22 anos, técnico agrícola da Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte Irineu Alcides Bays (Fapcen), referindo-se não ao trabalho, onde tudo corre bem, mas ao lazer, consumo e vida pessoal.

O caso de Bulati é típico. Ele veio de Ponta Grossa, no Paraná, onde só conseguiu emprego quando aceitou trabalhar numa fábrica de laticínios, ganhando R$ 360, e fora da sua especialidade. Ele diz que, em sua cidade natal, jovens apenas com segundo grau (com especialização técnica, no seu caso), têm grande dificuldade em se empregar. Em Balsas, por outro lado, ele rapidamente conseguiu um trabalho na sua área, ganhando um salário em torno de R$ 1 mil.

Mas alguns sulistas só têm elogios para seu novo lar. Para o paranaense Zaquiel Fernando Jiaretta, funcionário da fazenda do Zezão no Piauí, e que passou boa parte da vida em fazendas de soja no Paraguai, "as pessoas aqui são mais simples e mais fáceis de dialogar".

Jiaretta, que tem segundo grau completo e é subgerente da fazenda, ganhando em torno de R$ 2 mil, é colega do maranhense José da Silva Barbosa, 47 anos, casado, pai de 4 filhos e analfabeto. Como operador de máquinas, Barbosa ganha R$ 750, e já comprou uma casa na parte urbana de Baixa Grande do Ribeiro, onde está situada a fazenda do Zezão.

ENSINO SUPERIOR

De olho na carência de trabalhadores qualificados para suprir o setor de soja no Maranhão e Piauí, o advogado gaúcho João Carlos Gross de Almeida, consultor de Recursos Humanos, é um dos sócios à frente de um projeto, já em estado avançado de implementação, de criar a primeira instituição de ensino superior em Balsas, a capital da soja no Sul do Maranhão.

As instalações da "Unibalsas" já estão quase prontas, e serão oferecidos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Sistemas de Informática e Direito.

Segundo Almeida, um grupo de investidores já colocou R$ 3,5 milhões no projeto, e, dependendo da aprovação do Ministério da Educação, os primeiros cursos poderão ser oferecidos já no segundo semestre.