Título: NOVOS HORIZONTES DO AGRONEGÓCIO
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Economia & Negócios, p. B8,9

Soja consolida avanço no Nordeste Apesar de afetados pela crise nacional, Maranhão e Piauí abrem novas áreas, exportam sementes e batem recordes

A 120 quilômetros do mar, e numa altitude média de 120 metros, a fazenda Palmeira, no município de Chapadinha, no Maranhão, prepara-se para bater recordes de produtividade na colheita de soja. O gerente geral da Palmeira, o engenheiro agrônomo Theodomiro Garcia Neto, 33 anos, paulista de Avaré, explica que aquela altitude é quase três vezes menor do que o mínimo de 300 metros em que se planta soja no resto do País. E em nenhum outro lugar do Brasil a commodity é cultivada tão perto do mar.

As dificuldades técnicas foram enormes, e nos primeiros anos de implantação da fazenda, nada deu certo. Agora, diz, "visualmente nossa plantação parece inferior, mas na hora de colher a gente nem sabe de onde sai tanta soja".

A fazenda Palmeira é emblemática do avanço da soja no Piauí e no Maranhão, dois dos Estados mais pobres do País, e cuja área rural normalmente é associada a lavradores miseráveis praticando agricultura de subsistência. A chegada da soja nesta região já tem mais de duas décadas, mas os últimos anos foram particularmente memoráveis, com recordes de produtividade sendo batidos, a abertura de novas áreas (como Chapadinha) e o fato de o Maranhão ter saído da condição de importador para exportador de sementes, tornando-se um dos principais pólos tecnológicos do setor no Brasil. Hoje, fazendeiros da região de Balsas, a capital da soja no Maranhão, estão em adiantadas negociações para exportar sementes para a Venezuela.

Nos últimos dez anos, entre as safras de 1994/1995 e de 2004/2005, a produção de soja no Maranhão saiu de 170 mil toneladas para 997 mil, um crescimento de 19% ao ano. No Piauí, no mesmo período, a produção foi de 25 mil toneladas para 554 mil, expandindo-se a um ritmo anualizado de 36%.

O avanço da soja nos dois Estados nordestinos foi disparado o mais veloz do Brasil na última década, o que se deve, em parte, ao fato de terem partido de níveis muito menores. Incluindo a Bahia, a produção de soja do Nordeste saltou, numa década, de 13% para 22% do que produz o Centro-Oeste, e de 10,5% para 45% do que produz a Região Sul.

PROFISSIONALISMO

O ritmo de expansão da soja no Maranhão e no Piauí tem tudo para continuar acelerado. No primeiro Estado, novas fronteiras estão sendo abertas, como Chapadinha, e o Piauí é considerado uma das áreas cujo potencial foi menos explorado no Brasil. Na safra 2005/2006, porém, acompanhando um movimento que afetou quase todo o Brasil, a produção no Maranhão e no Piauí deve ficar estagnada, talvez até com ligeira queda. Como não poderia deixar de ser, os dois Estados foram afetados pela crise nacional do setor em 2005. Eles foram poupados da ferrugem, mas foram atingidos por problemas climáticos e econômicos. Com a queda do preço da commodity e a valorização do real, o valor apurado na moeda nacional por saco de 60 quilos do grão caiu pela metade, de cerca de R$ 50 para aproximadamente R$ 25.

O Maranhão e o Piauí, porém, estão em boas condições de resistir à baixa cíclica dos ganhos da soja, já que uma parte significativa dos plantadores da região pertence ao grupo mais sofisticado do Brasil em termos tecnológicos e empresariais. A SLC Agrícola, proprietária da Palmeira, faz parte do grupo gaúcho SLC, que detém fazendas de algodão, soja e milho e unidades industriais de alimentos e ferramentas, entre outros negócios. Com sete fazendas, a SLC Agrícola produziu mais de 400 mil toneladas na safra 2004/2005, com faturamento de R$ 300 milhões.

A SLC e a maioria das empresas que cultivam soja no Maranhão e no Piauí têm origem no Sul do País, nos Estados do Rio Grande do Sul, principalmente, e Paraná, e operam de forma totalmente capitalista e empresarial. São propriedades de grande porte, acima de 10 mil hectares, que funcionam como empresas, com escritórios refrigerados, pessoal uniformizado e muitos computadores, tratores, colheitadeiras de último tipo, aviões e cozinhas industriais. No caso dos grandes proprietários, também de origem gaúcha e paranaense, as instalações podem ser mais modestas, mas o grau de profissionalismo e tecnologia é o mesmo.

Essas fazendas espalham-se pela bela paisagem do cerrado do Sul do Maranhão e do Piauí, onde, entremeados por imponentes formações rochosas esculpidas pela erosão, destacam-se os imensos tabuleiros dos chapadões cobertos pelo verde uniforme da soja, com a superfície miraculosamente lisa e horizontal. Algumas destas chapadas, transformadas em plantações de soja, chegam a ter 18 mil hectares, como a fazenda de José Antônio Gõrgen, o "Zezão", no município de Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí, perto da divisa do Maranhão.

A fazenda de Zezão ilustra algumas das dificuldades enfrentadas pelos sojicultores da região. O empresário, diretor executivo do Grupo Ribeirão, que também tem uma transportadora e negócios com adubos, teve de construir por conta própria uma estrada de terra de mais de 90 quilômetros, para que suas terras tivessem acesso rodoviário e a produção pudesse ser escoada. Numa região em que as tempestades podem ter uma intensidade quase amazônica, a manutenção da estrada é cara e complicada. Muitas propriedades, como a fazenda Palmeira, têm geradores para produzir energia, e não estão ligadas à rede pública.

Gaúcho, 40 anos, Zezão está há 22 na região, onde tem mais duas fazendas no Maranhão, totalizando 40 mil hectares de área plantada, incluindo a do Piauí. Ele conta que a soja teve um período inicial de expansão no Maranhão nos anos 80, que foi seguido por um refluxo, com a substituição parcial pelas plantações de arroz. A soja voltou com força na década de 90, especialmente a partir de 1994. "Se não houver problema climático, a produção aumenta ano a ano", diz Zezão.

MILHO E ALGODÃO

Além da soja, a agricultura empresarial no Maranhão inclui o cultivo do milho e do algodão.

Uma experiência pioneira é a da empresa Agroserra, que tem em Balsas uma fazenda de 30 mil hectares cultivados, sendo 20 mil de cana e 10 mil de soja. A propriedade tem uma usina, que produz 84 milhões de litros de álcool por ano. Segundo o paranaense Christopher André, gerente geral da Agroserra, a fazenda é a única produtora de cana num raio de 500 quilômetros. "Estamos aumentando a área de cana em detrimento da soja", ele diz.

A crise da soja já está levando outros produtores da região a cogitar a mesma alternativa.