Título: Interesses políticos, a outra pedra no caminho
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Economia & Negócios, p. B6,7

Questionamentos técnicos estão longe de ser a única pedra no caminho do gasoduto do Cone Sul. Caso consiga passar pelo duro teste de comprovar sua viabilidade, o projeto terá de agregar os interesses políticos mais diversos. O ex-vice-presidente do BNDES Darc Costa relata dois exemplos clássicos.

Número um: o senador maranhense José Sarney (PMDB-AP) propôs uma alteração no traçado, um "atalho", para que o duto passe pelo Amapá, seu reduto eleitoral. Número dois: a Argentina resiste a aceitar a passagem da rede pelo Uruguai, o caminho mais sensato até o seu território. Prefere outro "desvio", pelas províncias do norte da Argentina, o que acrescentaria alguns milhares de quilômetros à obra.

Costa parece indiferente às críticas e aos percalços que precisa enfrentar. Como relata, foi professor, na Escola Superior de Guerra, do atual chefe da casa de despachos de Hugo Chávez, general Martin de Mendoza, que apresentou os dois. Entusiasma-se ao falar do gasoduto, que classifica como "o principal instrumento de integração" da América do Sul.

"Se conseguirmos estruturar uma aliança Buenos Aires-Brasília-Caracas, o resto cai naturalmente. Nem a Colômbia resiste", diz, referindo-se à adesão que espera de outros países sul-americanos, como Bolívia e Uruguai. "Hoje este é um projeto político que está se institucionalizando tecnicamente. A discussão que está se tendo agora é no plano técnico, a decisão política já foi tomada", assegura.

Nos últimos meses, ele já perdeu a conta de suas andanças por Venezuela, Chile, Argentina e Uruguai. É ambicioso ao desenhar fórmulas de financiamento da obra. Pensa na emissão de bônus lastreados na utilização do gasoduto. "É facílimo convencer as empresas a investir", comenta. E cita o exemplo de Carajás, no Pará, por onde está prevista a passagem da rede. É a principal província produtora de minério da Companhia Vale do Rio Doce.

Darc sonha com a instalação de siderúrgicas no trajeto, que aproveitariam a proximidade com o minério, o gás e o porto para elevar a exportação de placas de aço, produto de maior valor do que a matéria-prima vendida pela Vale. "Se tivermos esse gás, tiramos a China do mercado mundial de aço. Ninguém vai conseguir competir conosco. E mais: esse projeto foge à tendência natural do continente de desenvolver o litoral porque, obrigatoriamente, passa pelo centro do continente" diz.

Ele sustenta que o megagasoduto será o vetor central de industrialização do Norte e do Nordeste, para onde pretende levar ramificações. Propõe também que o Brasil troque parte da dívida por ações de uma empresa transnacional que seria constituída para financiar o projeto, transferindo recursos do setor financeiro para o setor produtivo. Darc está convencido de que o projeto só não interessa aos aliados dos Estados Unidos, principal destino do gás venezuelano.