Título: Integrante de uma estirpe de vices discretos
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Nacional, p. A10

Melhor amigo de Marco Maciel, Lembo é de uma turma que cultua a liturgia dos bastidores

Há 40 anos, Claudio Lembo fala todos os dias pelo telefone com seu maior interlocutor, o senador e ex-vice-presidente da República Marco Maciel (PFL-SP) - com quem se parece no estilo de fazer política, nos gostos pessoais e até fisicamente. "Eu e o Claudio somos padrinhos de dois filhos do Marco e da Ana Maria. É amizade estreita mesmo", diz Renéa Lembo, a futura primeira-dama do Estado. "Não vou a São Paulo sem vê-lo. Já fizemos coisas muito interessantes juntos, mas que as pessoas até acham graça, como visitar um mosteiro beneditino em pleno carnaval", diz o senador.

A exemplo de seu grande amigo - ao longo dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel foi um dos raros vice-presidentes que se encaixaram na liturgia do cargo e nunca deram trabalho ao titular -, Lembo tem predileção pelos bastidores, onde se movimenta discretamente, e se esforça para evitar sair das sombras. Indicado para ser o vice de Alckmin pela cúpula do PFL - partido que ajudou a criar - Claudio Lembo em pouco tempo se tornou amigo do governador, com quem fala duas vezes ao dia. "Na campanha de 2002, Geraldo Alckmin me disse: Claudio Lembo será para mim o que Marco Maciel foi para Fernando Henrique Cardoso. Pelo visto, acertou", conta o tucano Rubens Lara, novo secretário da Casa Civil e primeiro nome escolhido por Lembo para substituir os integrantes da equipe que estão deixando suas pastas para participar da campanha.

No dia em que Alckmin ganhou sua batalha para disputar a Presidência da República, por exemplo, Lembo respondia a pedidos de entrevista assim: "Hoje é o dia do Geraldo. Vamos deixar para depois." As demonstrações públicas de fidelidade ao titular chegaram a criar uma situação curiosa dentro do PFL durante a batalha de vida ou morte empreendida por Alckmin para conseguir ser o candidato tucano. De um lado, ficou Lembo, torcendo publicamente para o governador ganhar a briga. De outro, estava o vice-prefeito, o também pefelista Gilberto Kassab, o homem que indicou Lembo para o cargo de vice-governador e contava com a torcida de seu partido porque assumiria a Prefeitura durante três anos se Serra levasse a melhor na disputa.

O PFL, como se viu, sairia bem em qualquer circunstância - até porque Serra ainda pode ser candidato ao governo do Estado. Mas a divisão de torcidas não deixou de ser vista como uma ironia política. Além de encarnar os vices da vez, Kassab e Lembo são os principais tocadores da máquina pefelista em São Paulo. "Kassab é mais da parte operacional, fala com os prefeitos e deputados do interior, articula nomeações. Lembo é uma espécie de intelectual do partido, um mediador que dá opiniões em horas difíceis", define o senador José Jorge (PFL-PE), amigo de Lembo há 24 anos e responsável pela proeza de fazê-lo andar de bugue em uma praia de Pernambuco - a aventura mais radical da biografia do futuro governador, que se recusa até mesmo a colocar o pé em uma piscina ("Entrar naquilo? Eu não!", diz ele).

O 31º governador de São Paulo é, enfim, integrante de uma estirpe de vices discretos - o que não deixa de ser digno de atenção em um país em que as brigas entre titulares e substitutos começaram na primeira eleição após a Proclamação da República, na medição de forças entre Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Agora, personificando a primeira vez em que o PFL assume o governo de São Paulo, Lembo segue comedido. Defende que seu partido continue na aliança com o PSDB e indique o vice na chapa para a Presidência, de preferência alguém do Nordeste que teria a função de "despaulistanizar" o nome de Alckmin. Mas, em público, evita falar sobre o tema.