Título: A república que incomoda Ribeirão REPÚBLICA DE RIBEIRÃO: A CASA DO LAGO SUL
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Nacional, p. A7

Cidade está se mobilizando para reverter desgaste em sua imagem com grupo de amigos forasteiros de Palocci

Mais que o rastro de escândalos - tantos negócios mal explicados na mira da promotoria e da polícia, recursos públicos aplicados em projetos que não saíram do papel e fraudes que teriam atingido até os serviços mais prosaicos como varrição de ruas -, o que intriga mesmo Ribeirão Preto é a origem do grupo que o ministro da Fazenda Antonio Palocci acolheu na cidade, principalmente durante sua segunda passagem pela prefeitura, mandato que cumpriu pela metade, de 2001 a 2002.

A república de Ribeirão Preto, formada pelos amigos forasteiros de Palocci, levou desconforto e embaraços a essa cidade de 600 mil habitantes que agora busca resgatar a imagem do território pujante, das boas safras e da riqueza do campo. Organizações não-governamentais, entidade civis, advogados, vereadores e até comunidades de bairro estão se mobilizando.

Planejam uma campanha para apagar a má reputação que Ribeirão carrega desde que personagens estranhos aos quadros do funcionalismo e à história política da cidade desembarcaram por aqui pelas mãos de Palocci, que a eles conferiu prerrogativas, poderes, cargos estratégicos e primazias.

"Por causa da quadrilha do Palocci o Brasil inteiro pensa que Ribeirão só tem bandido e ladrão", protesta Fernando Chiarelli, professor de filosofia e história, autor de uma coleção de ações populares contra Palocci, que o processa por danos morais. "Ele colou em Ribeirão a imagem de uma nova Alagoas do Collor", acusa Chiarelli.

O prefeito Welson Gasparini (PSDB) avalia que sua cidade "sempre foi destaque, mas graças a assuntos positivos". Ele disse que um sentimento de "tristeza e angústia" o domina. Não só a ele, ressalta, mas a toda a população, que não suporta mais deboches.

CONTA Gasparini repudia o rótulo que deram a Ribeirão depois que o pessoal do ministro da Fazenda tornou-se alvo de CPIs, do Ministério Público e da polícia. "Como podem chamar de república de Ribeirão se eles (os assessores que Palocci nomeou) nem daqui são? Não podemos pagar essa conta."

Para Nicanor Lopes, vereador pelo PSDB que rastreia os negócios que o ministro fechou enquanto prefeito, "o que existe é a turma do Palocci". Ele também não aceita essa história de que Ribeirão tem uma república de suspeitos. "Fico indignado com isso porque os amigos que ele (Palocci) trouxe são quase todos de fora, até mesmo de outros Estados. O povo daqui é trabalhador, ordeiro e sério. Não vamos admitir que maculem a nossa cidade."

Ele guarda em um armário de seu gabinete uma lata de ervilha refogada - símbolo do primeiro escândalo envolvendo a gestão Palocci. Foi ele, Nicanor, quem denunciou esse caso, e muitos outros, como o da obra Vale dos Rios, que não saiu do papel, mas custou R$ 4,68 milhões aos cofres públicos.

Nicanor considera que o ministro e seu grupo devem pagar na Justiça pelo estrago que teriam causado à imagem da cidade. "A turma do Palocci veio e montou aqui um laboratório para toda sorte de mazelas e desmandos. Depois, eles foram para Brasília e lá montaram uma casa de prostituição que eu suponho mantida com dinheiro público e com isso denegriram a nossa Ribeirão."

Até o doutor delegado, Benedito Antonio Valencise, engrossa o coro dos intrigados. "O que eu sei é que essa turma veio de fora, aqui não tem república coisa nenhuma", diz o policial com 29 anos de carreira, encarregado da investigação sobre fraudes na administração Palocci, como na coleta de lixo. "Tenho provas e elas são tão claras quanto o meio dia."

ÉTICA "A sociedade de Ribeirão é muito ética, a história da cidade é muito forte", destaca Luiz Gastão de Oliveira Rocha, presidente do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil em Ribeirão e conselheiro seccional da entidade. "Ribeirão está muito acima desse tipo de coisa porque tem pujança. Na quebra do café de 29 toda a região ficou cabisbaixa, mas Ribeirão prosperou. A cidade é muito superior a essa república que andam falando por aí."

Rocha disse que a OAB poderá participar de eventos pelo resgate da altiva Ribeirão: "A Ordem não pode ficar omissa." Para ele, Palocci se cercou de estranhos. "São pessoas do partido. O PT, quando ganhou aqui e perdeu no ABC, trouxe muita gente de lá."

Eram pelo menos oito os assessores especiais de Palocci - um pessoal de quem Ribeirão nunca tinha ouvido falar, salvo dois nomes, Donizete Rosa e Ademirson da Silva.

Donizete foi vereador pelo PT e, depois, secretário de Governo de Palocci. Hoje exerce a função de diretor do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Ele é casado com Isabel Bordini que, antes de assumir a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal, dirigiu o Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão, foco de peculato segundo a polícia.

Ademirson é secretário particular de Palocci e o acompanha desde a época em que o ministro foi vereador (1989 e 1990).

Os outros são desconhecidos na cidade. Pouco se sabe deles, as informações são esparsas e incompletas sobre Juscelino Dourado, Vladimir Poleto, Ralf Barquete e mesmo Rogério Buratti, que delatou aos promotores de Justiça Aroldo Costa Filho e Sebastião Sérgio da Silveira como operava a república de Ribeirão. Os promotores investigam negócios da gestão Palocci que, segundo Buratti, recebia R$ 50 mil por mês da Leão Leão, maior doadora da campanha do petista em 2000.