Título: Bolívia agora fala em 'cordialidade'
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2006, Economia & Negócios, p. B9

O ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz-Rada, pediu ontem mais "cordialidade" nas conversas entre a Petrobrás e o governo local. Em um momento em que os ânimos se acirram, Soliz-Rada chamou a imprensa para, na opinião de observadores bolivianos, avisar a direção da estatal brasileira que o governo Evo Morales não pretende ceder a pressões.

"Somos a melhor opção para o Brasil em matéria de gás natural porque sempre poderemos praticar preços menores que qualquer lugar de onde eles venham a importar", afirmou o ministro, lembrando que 50% do gás consumido no País é produzido na Bolívia.

Um dia ante, o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, demonstrou insatisfação com as negociações com os bolivianos e afirmou que não aceitaria decisões unilaterais. "Eu peço que as negociações transcorram em um clima de cordialidade", rebateu Soliz-Rada, ele mesmo um dos responsáveis pela deterioração das relações entre as partes. Na semana passada, ele disse que iria endurecer com a Petrobrás e chamou a política da estatal de imperialista.

O ministro negou que as negociações com a Petrobrás tenham sido suspensas, conforme declarou Gabrielli. Segundo ele, há reuniões rotineiras dos comitês gestores, formados por representantes de ambas as partes. Mas essa informação não foi confirmada pelo presidente da Petrobrás Bolívia, José Fernando de Freitas. Segundo Soliz-Rada, a prioridade no momento é rever o contrato atual de fornecimento de gás ao Brasil, que vence em 2019.

Um dos temas em debate é o preço do combustível importado pelo País. O contrato prevê uma revisão periódica de preços, que não foi feita pelo governo anterior. O governo Evo Morales decidiu reabrir as discussões para aumentar os valores. O ministro não quis informar qual seria o preço ideal, mas calcula que os atuais US$ 3,40 por milhão de pés cúbicos está bem abaixo dos US$ 7 por milhão de pés cúbicos que constam dos estudos para importação de gás natural liquefeito pelo Chile, por exemplo.

Outro ponto divergente é uma diferença de US$ 450 milhões entre o que a Petrobrás quer pagar por gás não utilizado nos primeiros anos de contrato e o que o governo boliviano, por meio da estatal YPFB, deseja receber.

Nos primeiros anos de operações, o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) operou com volumes abaixo dos contratados por falta de mercado. Segundo uma cláusula do contrato, a Petrobrás precisa pagar todo o gás contratado, mesmo que não o use, podendo recuperar os volumes pagos no fim do contrato.

"Mas o Brasil quer reaver esses volumes pelos preços anteriores e nós, pelo preço atual", disse Soliz-Rada. "O gás está pago, elevar os preços agora não faz sentido", reclama Freitas.

PANOS QUENTES

O senador boliviano Andrés Guzman Heredia, da aliança conservadora Poder Democrático e Social (Podemos), que participou, ontem, em Belo Horizonte, de reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), acha que Soliz-Rada foi mal interpretado pela Petrobrás e radicalizou o discurso apenas para alertar o governo brasileiro da necessidade de revisão do preço do gás.

"Hoje, o Brasil paga entre US$ 3 e US$ 3,50 por um milhão de pés cúbicos, enquanto a média de preço mundial é de US$ 8. E o que se deseja é evitar que a riqueza deixe a Bolívia sem retornar em divisas para programas sociais que são emergentes".

Guzman, no entanto, reconhece que a Petrobrás é o maior investidor externo daquele país - mais de US$ 1,5 bilhão - e diz que, certamente, o diálogo será restabelecido na busca de um acordo que possa atender às duas partes".