Título: Crise da soja faz preço da terra despencar
Autor: Ana Conceição
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2006, Economia & Negócios, p. B22

A crise da soja fez cair de forma expressiva os preços da terra em Mato Grosso, maior produtor do grão do País. Há casos em que a queda chega a 45%. Mas, apesar de endividados, os agricultores não parecem dispostos a se desfazer nem de parte de suas propriedades. Não há vendedores nem compradores.

Os números do levantamento do mercado de terras no Brasil, realizado pelo Instituto FNP, de São Paulo, atestam uma queda de 2,8% nos preços médios em todo território nacional, com destaque para a desvalorização média de 9,16% na Região Centro-Oeste.

Segundo os analistas da FNP, o sentimento de desânimo que já prevalecia no mercado de terras desde meados do ano passado - especialmente nas regiões muito dependentes dos negócios com soja, milho e algodão, assim como da pecuária bovina - se acentuou no início deste ano, "uma vez que parece estar cada vez mais certo que uma possível mudança para melhor na conjuntura de algumas das principais culturas brasileiras aparenta estar cada vez mais distante".

Os corretores de terra em Mato Grosso confirmam a previsão pessimista dos técnicos. "O mercado parou", diz Vilson Tozi, dono do Grupo Tozi, uma imobiliária do município de Sinop, norte do Estado. O corretor Gildemar Lira, da Imobiliária Metrópole, de Rondonópolis, sul de Mato Grosso, explica que vender a terra ou parte dela não resolve o problema do produtor, que muitas vezes hipotecou a propriedade para pagar dívidas. "E ninguém quer vender na baixa", acrescenta. Já os compradores estão fazendo as contas, diz ele. "No Sul, o preço da terra também caiu. Se o valor aqui do Centro-Oeste não for pelo menos um terço da terra no Sul, eles não virão para cá", avalia. Seus principais clientes são paulistas, gaúchos e paranaenses.

A paradeira no comércio de terras também reflete um momento de indefinição no mercado de soja, já que ainda não se sabe se o governo colocará em prática medidas para socorrer os produtores, como a prorrogação das dívidas que vencem neste ano. De qualquer forma, há quem defenda que os preços simplesmente voltaram aos níveis pré euforia, anteriores à safra 2004/05, quando uma saca de soja chegou a valer R$ 50. "Naquela safra vivemos uma situação anormal do mercado", diz Lira.

Em Mato Grosso, a moeda corrente para a compra de terras para produção é a saca de soja. Em algumas áreas, o preço caiu tanto em sacas de soja quanto em reais. É o caso de Sinop. Segundo Tozi, durante a euforia da safra 2004/05, um hectare (10 mil m2) de terra fértil e com boa localização chegou a valer até 250 sacas, em uma época que a saca foi negociada na região por R$ 35. O hectare, portanto valia R$ 8,75 mil. Hoje, a mesma área com o mesmo tipo de terra está à venda por 125 sacas/hectare, com a saca sendo vendida a, no máximo, R$ 20, o que resulta em R$ 2,5 mil. "Vendi propriedades no ano passado que valiam R$ 1 milhão e que hoje não passariam de R$ 500 mil", afirma o corretor.

Em Feliz Natal, município próximo a Sinop, o valor das terras boas caiu de 180 para 100 sacas de soja, um decréscimo de 45%. O preço da área bruta, ainda com mata nativa, saiu de 80 a 90 sacas para 25 sacas o hectare. O valor dos arrendamentos também caiu de 6 sacas/hectare, em média, para 3 sacas. Há arrendatários renegociando contratos ou até mesmo devolvendo terra, diz Tozi.

Em Rondonópolis, o preço da terra se manteve em sacas, mas caiu em reais, segundo o corretor Gildemar Lira. Ali, o hectare de uma propriedade bem localizada para produção de sementes vale de 300 a 350 sacas de soja. Outras áreas boas para soja podem ser compradas por 150 a 200 sacas/hectare.

Em Sapezal, oeste do Estado, cada hectare de terreno sai por cerca de 180 sacas, na avaliação de Giovani Luiz de Souza, corretor da Terra Fértil. Ele informa que a forma de pagamento também mudou. Agora a propriedade pode ser quitada em até dez anos. Antes se pagava uma fazenda em três ou quatro anos.

Ana Conceição viajou a Mato Grosso à convite dos organizadores do Rally da Safra