Título: Ameaça à exportação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Notas e Informações, p. A3

A exportação, atividade mais dinâmica da economia brasileira nos últimos cinco anos, continua a ser também uma das mais inseguras, pois depende, entre outros fatores, de um tira-teima anual entre o Ministério da Fazenda e os governos estaduais. Na última quinta-feira, esses governos ameaçaram criar mais entraves às vendas ao exterior, se não tivessem a garantia de R$ 5,2 bilhões para ressarcir suas "perdas" com a isenção fiscal aos embarques de produtos primários e semiprocessados. O projeto de orçamento votado pela Comissão Mista do Congresso, naquele dia, contém apenas R$ 3,4 bilhões para essa finalidade. Dependerá da arrecadação federal, nos próximos meses, o repasse de mais R$ 1,8 bilhão aos Estados.

Depois de reunir-se com empresários na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), uma comissão de cinco secretários de Fazenda anunciou a criação de mais um obstáculo à apropriação de créditos fiscais pelos exportadores.

As empresas que exportam uma grande parcela de sua produção já têm dificuldade para receber os créditos acumulados, pois suas vendas no mercado interno são insuficientes para permitir a compensação. Com a medida recém-anunciada, as dificuldades serão maiores. Essas operações poderão deixar de ser mensais e ocorrer apenas uma vez por ano.

Essa comissão foi nomeada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) - o colegiado que reúne os secretários estaduais da Fazenda - para tratar do tema com os industriais. A ameaça foi decidida, com apoio da Fiesp, como forma de pressionar o governo federal e os parlamentares.

O texto aprovado pela Comissão Mista do Orçamento ainda será votado em plenário, provavelmente esta semana. Os governos estaduais se declaram incapazes de suportar sozinhos a desoneração das exportações e cobram um ressarcimento igual ao do ano passado, no valor de R$ 5,2 bilhões.

Aprovada em setembro de 1996, a Lei Complementar nº 87, de autoria do deputado Antônio Kandir, isentou da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semi-elaborados. As exportações de manufaturados já eram isentas do antigo ICM, implantado em 1967. A isenção foi mantida pela Constituição de 1988, mas as vendas externas dos outros produtos continuaram tributadas.

Essa cobrança era uma aberração internacional, pois em geral se evita a exportação de impostos. A Lei Kandir corrigiu essa anomalia e fixou uma compensação transitória para os Estados e também para os municípios, que recebem uma parcela do ICMS. O ressarcimento ocorreria até 2002 se houvesse diminuição da receita fiscal, determinada por um sistema de cálculo definido em lei, mas poderia estender-se até 2006, no caso de perdas excepcionais.

O pressuposto era que os Estados acabariam tendo uma compensação natural, depois de algum tempo, decorrente dos benefícios propiciados pelo aumento do comércio exterior.

Mas a lei foi modificada, em poucos anos, por pressões políticas, e a compensação foi prorrogada, sem um debate satisfatório sobre as perdas efetivas dos Estados. Além disso, a Lei Kandir nunca foi aplicada integralmente. Também as compras de máquinas e equipamentos deveriam ser desoneradas. Mais tarde, a isenção deveria cobrir outros custos necessários à operação das empresas.

A isenção para máquinas e equipamentos nunca vigorou de forma adequada. As empresas podem receber os créditos em 48 meses, uma compensação ridícula, dado o enorme custo financeiro dessa demora.

A Lei Kandir foi uma tentativa de tornar a produção brasileira mais competitiva e mais adequada às condições de uma economia aberta. A tributação nacional é incompatível com as necessidades de inserção do País nos mercados globais. Mas acabou prevalecendo o velho fiscalismo brasileiro, que valoriza mais a arrecadação de impostos que a qualidade econômica do sistema tributário.

Como o ICMS é estadual - outra aberração, pois tributos desse tipo são em geral cobrados pelo governo central -, a Lei Kandir acabou criando mais um foco de conflito entre os Estados e a União. Uma reforma tributária inteligente poderia resolver a questão, mas não foi possível, até agora, envolver os governos estaduais num empreendimento desse tipo.