Título: O PCC nos transportes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Nos últimos cinco anos, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) conseguiu, fácil e impunementemente, controlar parte considerável do transporte público da capital. Matou perueiros e coordenadores de linhas que ousaram desafiar suas ordens e extorquiu os motoristas que quiseram trabalhar nas linhas mais rentáveis - esses são obrigados a pagar contribuição mensal à organização, o chamado pedágio. Até donos de empresas de ônibus foram obrigados a "contribuir" para a facção. Quem não cede, morre. Nos últimos 18 meses, foram registrados pelo menos cinco assassinatos de motoristas e coordenadores de linha. E o PCC não parou por aí. Investigações feitas pela SPTrans mostram que a facção também opera um grande esquema de fraude do bilhete único. A Prefeitura registrou, nos últimos meses, prejuízos mensais de R$ 15 milhões com o golpe.

Só agora a polícia resolveu agir. Em entrevista ao Jornal da Tarde, o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt, afirmou ter sido procurado pela Prefeitura porque "constataram que o caso era mais complexo do que pensavam". Ora, a "complexidade" do problema já era evidente em 2000, quando o PCC ingressou no setor, matando e achacando.

Foram anos de descaso diante de evidências claras. Desde que a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) foi privatizada, em 1993, e o setor foi invadido pelos transportadores clandestinos, denúncias sobre quadrilhas que dominavam linhas irregulares foram feitas, sem merecer atenção.

O transporte clandestino surgiu com os desempregados da CMTC aplicando suas economias na compra de vans usadas para fazer o transporte de passageiros cansados com o péssimo serviço prestado pelo sistema formal de ônibus. Não demorou para que alguns delinqüentes se declarassem donos das linhas e passassem a leiloar vagas para interessados no ramo. A concorrência apareceu em seguida, exercida por policiais que dominaram regiões inteiras, vendendo proteção. Em seguida, vieram os traficantes, transformando lotações em pontos-de-venda de droga e de lavagem de dinheiro.

Há alguns anos, chegou o PCC. Em 2000, os integrantes da facção foram investigados pelo Ministério Público, acusados de autoria da primeira chacina de trabalhadores do setor. Foram assassinados um perueiro, um cobrador e dois ajudantes. Há quase um ano, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa recebeu denúncia de 26 motoristas, que relataram o esquema de cobrança de pedágio nas linhas. Em depoimento, um motorista assegurou: "Quem não paga até as 18 horas da sexta-feira morre no sábado."

A arrecadação com o pedágio não satisfez o PCC, que viu no bilhete único mais uma fonte de receita farta e fácil de ser explorada. Nos últimos meses, vários tipos de golpes foram aplicados. Primeiro, veio o da "janelinha": o passageiro paga um real para o cobrador-golpista, recebe um cartão eletrônico, passa pela catraca e devolve o bilhete ao golpista, que embolsa o ganho. Depois veio o golpe do "aviãozinho": lotes de cartões são transportados e trocados entre os cobradores e motoristas para serem usados nas catracas dos veículos, simulando integrações gratuitas, pagas pela Prefeitura. Por fim, há o golpe "coruja": os cartões são usados nas catracas no período em que os veículos estão estacionados, à noite. Evidentemente, esses golpes só funcionam quando existe uma central de coordenação.

Há dias, a Comissão Permanente Antifraude da SPTrans apreendeu 43 cartões eletrônicos que eram usados em apenas quatro vans, no período das 18 às 22 horas, diariamente. Os perueiros forjavam, em média, 120 viagens por dia e lucraram, cada um, pelo menos R$ 2,7 mil, desde janeiro. A comissão investiga a participação de 160 perueiros no esquema e se diz surpresa com o fato de os golpes, antes concentrados na zona sul, já se estenderem pela zona leste.

A fraude deve ter se alastrado pela cidade, se considerado o alto prejuízo da Prefeitura. O caso é, sem dúvida, de polícia.