Título: Kirchner: 'Malvinas são altar da pátria'
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2006, Internacional, p. A13

O presidente Néstor Kirchner reivindicou ontem para a Argentina a soberania das Ilhas Malvinas, indicando que a recuperação do árido arquipélago no Atlântico Sul é "um objetivo permanente e irrenunciável". No 24º aniversário da invasão argentina às ilhas, Kirchner fez um enfático discurso na Escola Militar de El Palomar, diante de parte da cúpula das Forças Armadas e dos veteranos da Guerra das Malvinas, apelando ao nacionalismo: "As Malvinas são um altar da pátria ao heroísmo de seu povo e de seus combatentes", disse ele.

Depois, complementou, em uma crítica direta à ditadura militar que ordenou a invasão das ilhas, aventura que terminaria em estrepitoso fracasso dois meses e meio depois: "Quando (os altos oficiais) precisavam estar ali (na frente de guerra), saíram correndo ... Foram generais covardes que encheram o Exército e o povo argentino de desonra."

Olhando para centenas de veteranos da guerra no pátio da Escola Militar, Kirchner os chamou de heróis, pediu perdão pelos erros cometidos pela cúpula militar e o descaso como foram tratados pelos governos civis no pós-guerra e agradeceu "por aquilo que fizeram pela pátria". Segundo ele, os veteranos não foram reconhecidos pela Argentina e até foram escondidos.

Kirchner argumentou que a Argentina tem uma "legítima e imprescritível soberania" sobre as ilhas que a Grã-Bretanha ocupa há 173 anos.

Esta é a primeira vez desde o fim da guerra que um governo civil lembra a invasão às ilhas. Até agora, a data preferida era o 14 de junho, "o dia da soberania", como forma de separar a reivindicação das ilhas da aventura militar do ex-ditador general Leopoldo Fortunato Galtieri. Ao longo do último ano Kirchner concedeu uma crescente atenção aos veteranos de guerra (que preferem ser chamados de ex-combatentes). O presidente aumentou em 100% a pensão que eles recebiam, elevando-a a até US$ 300 mensais.

A atenção especial de Kirchner com o grupo é inédita neste país. Desde seu retorno como prisioneiros de guerra dos britânicos, os veteranos sofreram o desprezo da sociedade argentina, que neles via um retrato da derrota.

Transtornados psicologicamente, nas últimas duas décadas, 350 ex-soldados cometeram suicídio. Isso equivale a mais da metade das 635 baixas argentinas ocorridas nos combates em terra nas ilhas. Outros 326 militares argentinos morreram afogados quando o cruzador General Belgrano foi afundado por um submarino britânico.

As empresas evitam contratar os veteranos com medo de atos violentos dos ex-soldados. Segundo estimativas do Centro de Ex-Soldados Combatentes, 70% dos veteranos estão desempregados. No sábado à noite, na cidade de Córdoba, na região central da Argentina, duas centenas de veteranos, acompanhados das famílias, protestaram na frente da casa do general Mario Benjamín Menéndez, ex-governador militar das Malvinas, acusando-o pela derrota na guerra. Os ex-soldados exigiam a remoção da pensão que Menéndez recebe como veterano de guerra.

Menéndez é visto pelos historiadores como um líder militar incompetente. Durante os dois meses e meio de administração militar, os oficiais de Menéndez desviaram alimentos e agasalhos doados aos soldados por estudantes e associações beneficentes,para revendê-los no mercado negro. Neste fim de semana, em diversas cidades argentinas houve cerimônias em homenagem aos veteranos e soldados mortos no conflito.